A Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas de Pernambuco / Associação Pernambucana de Cineastas (ABD-PE/APECI), a Federação Pernambucana de Cineclubes (FEPEC), o Diretório Acadêmico de Cinema & Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco (RIPA) convocaram a classe do audiovisual pernambucano para reunião extraordinária, realizada na última quarta-feira (26/7), de forma online. Com a presença de profissionais de diferentes regiões do Estado, o encontro trouxe, entre os temas, os atrasos nos pagamentos de projetos aprovados no Funcultura Audiovisual 2021/2022 e a distribuição dos recursos da Lei Paulo Gustavo, viabilizados pelo Governo Federal.
Ao final da reunião, a Revista O Grito! entrevistou Antônio Carrilho, cineasta, roteirista e presidente da ABD-PE / APECI sobre a importância da mobilização coletiva da classe em busca de resoluções para as reivindicações de trabalhadores e trabalhadoras do setor. “Já faz um tempo que a gente tem percebido, no meio audiovisual, um problema sério de pagamentos de cachês de pessoas. E a gente começa a observar que já são oito meses que falta o pagamento das parcelas do Funcultura 2022. Então, isso preocupa muito”, comentou o cineasta.
As políticas públicas de cultura no Estado desenvolvem um papel importante na manutenção e desenvolvimento de toda cadeia produtiva de arte pernambucana, inclusive no setor audiovisual. Integrante da FEPEC, Wandryu Figueiredo reconhece que graças a iniciativas estaduais, como os editais do Funcultura e a Lei Aldir Blanc, foi possível viabilizar a sobrevivência dos cineclubes em Pernambuco. “Essas iniciativas contribuem para atividades de promoção cultural, preservação dos cineclubes e estimulam o acesso às manifestações culturais em áreas com poucos recursos culturais disponíveis”, afirmou. Contudo, as dificuldades enfrentadas, nos últimos anos, para se manter espaços de formação e fruição artística como os cineclubes são muitas.
Atrasos na liberação dos recursos já aprovados como o que vem ocorrendo atualmente, afetam o setor. Segundo Figueiredo, “no momento, membros, parceiros e filiados da FEPEC enfrentam dificuldades por conta dos atrasos. Eles estão prejudicando a difusão do audiovisual em Pernambuco e impactando negativamente produtores e trabalhadores dependentes desses projetos. Essa situação tem impedido o desenvolvimento do setor, resultando na paralisação de festivais, mostras e cineclubes que aguardam os recursos já aprovados por edital e garantidos pela Lei do Audiovisual”, conta. “Produtores e trabalhadores que contam com esse dinheiro para dar vida a seus projetos estão enfrentando dificuldades em cumprir prazos, manter suas equipes e finalizar suas produções. A falta de prioridade e agilidade na liberação tem gerado um cenário de incerteza e estagnação no setor”.
O realizador pernambucano Severino afirma que o atraso no desembolso dos recursos do Funcultura Audiovisual tem gerado um problema estrutural na teia produtiva do estado. “No meu caso, temos um planejamento de lançamento de Fim de Semana no Paraíso Selvagem (produção mais recente do cineasta), com sessões mobilizadas nos territórios onde filmamos e promoção no circuito comercial, mas estamos impedidos de começar a trabalhar por não haver qualquer previsão de desembolso por parte da Fundarpe. Isso gera instabilidade e reduz nossa capacidade de impacto social e econômico enquanto produtores”.
Um produtor executivo de vários projetos, que preferiu não se identificar, conta que tem enfrentado situações bizarras com o Funcultura. Uma de suas produções executou as filmagens, prestou contas no mês seguinte e encaminhou o pedido da parcela seguinte, mas ela não foi paga. Quando pediram prorrogação para poder concluir o projeto, o pedido foi negado sob a alegação que o prazo de execução havia vencido. O produtor diz ainda que, em outra produção, o Funcultura demorou tanto para depositar o dinheiro que o banco encerrou a conta por falta de movimentação. “A impressão que tenho é que está tudo paralisado”, conclui.
A Revista O Grito! conversou também com a presidente do Diretório Acadêmico de Cinema & Audiovisual da UFPE Tainá Brasileiro sobre os impactos na entrega das verbas do Funcultura para a viabilização e execução de projetos realizados por alunos e estudantes da área. “Torna-se perceptível para o DACINE os impactos negativos acarretados desses atrasos no cenário cultural pernambucano, visto que alguns alunos de Cinema da UFPE estão com projetos engavetados devido à falta de recursos para manter as despesas comumente vindas de produções audiovisuais. É através desses estudantes que percebemos a impossibilidade de permanência desse atual Projeto Cultural apresentado pelo Governo do Estado, no qual precariza nossas vivências, há muito já debilitada”, conta Brasileiro.
“Trabalhar com cultura deve ser um local de constante militância, mas não de falta de dignidade. É necessário sempre o mínimo para fazer cultura, para fazer cinema, para fazer arte, por essa razão a influência desses atrasos deve ser vista tanto no campo da produção quanto no da vida dos produtores culturais. Portanto, o DACINE compreende que o desenvolvimento dos projetos é vital para a distinção de estudantes no mercado e para nossa valorização e respeito enquanto profissionais audiovisuais”, comentou a representante estudantil.
Outro cineasta nos relatou, também sob anonimato, a diferença entre sua experiência com o edital de 2022 e o anterior de 2020. “Tive um projeto aprovado em 2020, mas que correu sem problemas e terminou dentro do prazo. Já do projeto aprovado em 2022, até hoje, não saiu nenhuma notícia. Ou seja, nunca vi um atraso tão grande como o que está tendo agora. A gente já está indo para agosto e, até onde sei, ninguém assinou sequer o termo de compromisso para receber o dinheiro. Até onde eu sei, nenhum dinheiro está sendo movimentado. A penúltima etapa que é abrir a conta, mandar documentos obrigatórios, acho que todos os contemplados já fizeram. Depois disso, eles mandam o termo de compromisso, você assina e, a partir disso, a qualquer momento, cai o dinheiro. E agora, sem Secretário de Cultura, realmente a gente fica muito desamparado”, lamentou.
A preocupação do cineasta faz sentido, pois ao longo deste mês a Secretaria de Cultura, na atual gestão do Governo do Estado, passou por mudanças inesperadas. Entre exonerações e nomeações na pasta, no mês de julho, o então secretário de cultura Silvério Pessoa divulgou que estava se desligando do cargo, na quinta-feira (20/7), um dia antes do início da 31ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns. Em seu perfil pessoal no Instagram, o artista postou uma carta à governadora Raquel Lyra, na qual se despedia da função e agradecia o período que esteve à frente do cargo. No documento, Pessoa afirmava ter decidido “dedicar meu tempo agora para minha carreira e, também para docência, pois como artista e professor sinto falta dos palcos e da sala de aula.”
Procurada pela Revista O Grito!, a respeito do que a atual gestão pretende fazer em relação ao setor e às políticas de fomento à cultura, a assessoria da pasta no Governo de Pernambuco explicou, por telefone, que a Secretaria de Cultura está passando por “um processo de reestruturação” e que a presidente da Fundarpe Renata Borba está respondendo apenas pelo expediente interno da Secretaria, mas que assim que haja qualquer sinalização de representante para nos dar entrevista, o contato seria retomado.
Lei Paulo Gustavo
Durante a reunião da ABD/APECI, tornou-se evidente também o desejo de que a classe trabalhadora do audiovisual participe da elaboração de formas para a distribuição da verba que será destinada ao setor por meio da Lei Paulo Gustavo. No edital 2021/2022, o Funcultura Audiovisual apresentou um orçamento total de R$ 9.280.000,00, já a Lei Paulo Gustavo, viabilizada pelo Ministério da Cultura, por sua vez, destinou só para Pernambuco, um montante bem superior, com um total de R$ 100.119.951,83, cujo valor será dividido entre o setor audiovisual – que ficará com a maior parte dos recursos, com R$ 73.658.248,56 (produção audiovisual, salas de cinema, capacitação, difusão e memória e apoio a empresas e distribuição das obras) – e o restante destinado aos demais segmentos artístico-culturais.
Carrilho relembrou da participação da ABD/APECI e da categoria na construção das políticas estaduais para financiamento do audiovisual desde a implantação do Concurso de Roteiros Ary Severo e que prosseguiu nos anos seguintes, o que justificaria, para ele, que este protagonismo fosse retomado.
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