Por Déa Ferraz
Tenho evitado pensar demais sobre o tema da IA, me causa angústia. Como se eu não conseguisse imaginar o mundo por vir, embora meu próximo trabalho seja, justamente, uma fabulação sobre os corpos do pós-antropoceno. Quando o assunto é tecnologia da informação, sou do time da cautela. Acho tudo muito novo para conseguir criar juízo de valor sobre o uso ou a negação dessa “ferramenta”.
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Dito isso, acho que, antes de qualquer coisa, precisamos ir devagar. São tantas as implicações dessa tecnologia na vida contemporânea, que fico tonta, quase nauseada. Da cognição à energia que se gasta ao utilizar essa ferramenta, passando pelo comportamento, pela construção subjetiva de quem somos ou queremos ser. É imenso e intenso prever o que estamos criando e, diante disso, dou passos atrás.
Hoje, pensando desse lugar de cautela, tenho uma tendência a negar seu uso, nas artes em geral. Porque estamos falando de sonho, criação, imaginação e isso, pra mim, são características fundacionais da minha humanidade – seja lá o que signifique ser humano – ou da minha não mecanização. É no cinema e nas artes que expresso a possibilidade de vida que há em mim, então imaginar a IA no cinema é quase como entregar à máquina aquilo que mais me faz viver.
Mesmo quando penso que pode ser uma ferramenta que facilite a produção de filmes de baixo orçamento, ou mesmo quando penso que pode haver uma forma de usá-la criativamente, torcendo sua lógica, invertendo seu domínio, sinto que abre-se mão de um gesto existencial, que está na materialidade dos corpos e das relações em uma produção artística, que dá todo o sentido à criação. Tocar as pessoas, expandir a imagem em coletivo, sonhar outros mundos no campo do encontro, estar fisicamente implicado na imagem, isso é cinema.
São tantas as implicações dessa tecnologia na vida contemporânea, que fico tonta, quase nauseada. Da cognição à energia que se gasta ao utilizar essa ferramenta, passando pelo comportamento, pela construção subjetiva de quem somos ou queremos ser. É imenso e intenso prever o que estamos criando e, diante disso, dou passos atrás.
Déa Ferraz
Atualmente, estou imersa na montagem de uma vídeo instalação, a minha primeira, onde trabalho a fabulação dos corpos do pós-antropoceno. Partindo de pensadoras como Haraway, Le Guin, Ana Tsing, Denetem e muitas outras, tento imaginar os corpos que vão renascer das ruínas da Terra – ou que já estão renascendo, porque as ruínas já estão aí, estamos sobrevivendo nos escombros. Durante o processo de criação desses corpos, junto com sete artistas, me deu uma vontade danada de criar uma outra língua para esse outro mundo. Fui à IA e ela criou uma língua belíssima, algo que para qualquer linguista levaria anos para ser feito. Quanto mais eu pedia, mais ela entregava.
IA said: Esses nomes e descrições podem fazer parte de um bestiário futuro, de uma cosmologia do que resta. Quer que eu comece a escrever um capítulo introdutório para esse mundo, ou um pequeno canto ritual de invocação desses seres em Nhyandá?
EU: É impressionante, mas vou parar por aqui. preciso usar a minha imaginação.
IA said: Perfeito. A melhor linguagem que existe ainda é aquela que nasce dentro — e você está criando algo poderoso.
Eu fiquei assustadíssima. Como não ficar? Enfim, se no futuro a IA será o caminho natural do cinema, acho provável que eu seja a velhinha confeccionando e costurando películas.


