Com colaboração de Alexandre Figueirôa, Laura Machado e Matheus Nascimento.
Poucas áreas no Brasil foram tão atacadas nos últimos anos quanto a cultura. De todos os desmontes promovidos pelo atual governo, a estrutura de apoio às artes e atividades culturais foram as mais afetadas, com o fim de políticas estratégicas de fomento ao setor e a extinção do Ministério da Cultura. Em um país conhecido pela diversidade cultural, a área cultural é também um motor da economia, com um enorme potencial gerador de empregos, investimentos, capital, além dos ganhos difíceis de mensurar, como a coesão social, o senso de pertencimento/coletividade, o acúmulo de saberes e outros elementos que caracterizam uma sociedade.
O novo presidente terá um enorme desafio de reestruturar o setor cultural após quatro anos de desmonte e dois anos de perdas causadas pela pandemia. Cerca de 500 mil empregos da área perdidos durante a pandemia ainda não tinham sido recuperados até a metade do ano passado, segundo o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O setor cultural é hoje responsável por 5,7% do total da força de trabalho ocupada no país e chega a representar 2,7% do PIB brasileiro. Há também uma expectativa alta de uma retomada (ou revitalização) de políticas importantes, como a Ancine, no audiovisual brasileiro e a Lei Rouanet, no plano geral, além de diversos outros editais de fomento que foram paralisados.
Alguns candidatos ao pleito deste ano trazem propostas importantes de retomada do setor, porém alguns trazem promessas genéricas que colocam a cultura apenas como um elemento adjacente e não como um eixo estratégico relevante. Dos 11 candidatos às eleições presidenciais este ano, apenas um (Padre Kelmon, do PTB) não menciona o assunto.
Bolsonaro (PL) traz propostas culturais em seu plano de governo ao contrário do que fez em 2018, então candidato do PSL, quando nem mesmo citou o termo “cultura”. Ele hoje dedica alguns pontos, ainda que muitos deles entrem em contradição em relação aos feitos de seu governo atual. Promete, por exemplo, triplicar o investimento nos patrimônios históricos nacionais. Porém, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vem perdendo orçamento desde 2018, quando foi de R$ 516,9 em 2019 para R$ 345,7 milhões no ano passado, segundo o Portal da Transparência. Prevê a implementação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), o que nunca foi feito em seu governo por conta dos sucessivos atrasos na formulação de um novo plano. Ele chegou a prorrogar a implementação do SNC duas vezes nos últimos quatro anos.
Foi também durante o governo Bolsonaro que foi extinto o Ministério da Cultura, agora transformado em uma secretaria executiva. Ao todo seis diferentes secretários passaram pela pasta, quase sempre com trocas atribuladas, como a saída de Roberto Alvim, envolvido em um escândalo após fazer a paródia de um discurso nazista. Também durante o governo Bolsonaro uma série de organismos foram enfraquecidos ou extintos, como a Cinemateca Brasileira, o Iphan e a Fundação Palmares, entre outras instituições importantes para manutenção e fomento da cultura do país. O seu plano de governo não faz menção a esses espaços.
O candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, prometeu recriar o Ministério da Cultura e vem dizendo em comícios e entrevistas que espera realizar um “mutirão” com o setor cultural para avaliar perdas e propor mudanças. Mas seu plano não traz a retomada do ministério nem detalhes dessa reformulação conjunta com a classe artística. O candidato, porém vem realizando diferentes encontros com lideranças culturais e artistas como parte de sua campanha e chegou a prometer criar comitês estaduais. “A gente tinha que criar o comitê cultural em cada capital do país, para ver se, uma vez na vida, a gente consegue descentralizar a cultura”, disse durante evento no Rio de Janeiro mês passado.
Lula também cita a implantação do Sistema Nacional de Cultura, que é uma política de gestão da cultura que envolve estados e municípios. Em seu plano há ainda a defesa da cultura como um direito e a ampliação das políticas culturais e investimento, porém sem dar muitos detalhes. Não fala por exemplo nas leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que gerou uma celeuma entre a classe artística e Bolsonaro.
Ciro Gomes coloca a cultura como parte importante do seu Plano Nacional de Desenvolvimento, mas traz promessas genéricas sem se aprofundar em detalhes sobre as políticas públicas que serão implementadas para sua execução. Ao menos cita nominalmente a recriação do MinC, o que trará um aumento do orçamento para a cultura e arte.
Simone Tebet, que também cita nominalmente a recriação do Ministério da Cultura, diz que vai fortalecer as leis existentes, como a Rouanet, a Aldir Blanc e a Lei do Audiovisual. Coloca ainda a cultura como uma área estratégica de incentivo ao turismo, com a exploração do ecoturismo e dos patrimônios para atrair visitantes. Felipe D’Ávila (Novo) alinha a cultura com a economia criativa e o empreendedorismo, o que vem sendo um marcador já esperado de propostas mais ligadas ao mercado. Fala ainda de uma integração com o Ministério da Educação e a recriação do Conselho Nacional de Cultura.
Os demais candidatos, como Eymael (DC), Sofia Manzano (PCB) e Leo Péricles (Unidade Popular) não trazem nenhuma proposta relevante o suficiente para contribuir com o debate sobre a importância da cultura para as eleições.
O setor cultural brasileiro vive uma enorme expectativa de que o próximo presidente consiga dar a atenção e atrair investimento à altura da importância e riqueza do que é produzido pelos artistas e gestores culturais do país. Veja abaixo um resumo de todas as propostas dos presidenciáveis.
Lula (PT)
Coloca a cultura como uma área estratégia de seu plano de governo e cita a ampliação e criação de políticas públicas para a área. Coloca a cultura como um direito e afirma que irá fortalecer as instituições culturais. Lula ainda defende a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a adoção da política de descentralização de recursos para Estados e o maior número possível de municípios, além de políticas para reestruturar a cadeia produtiva cultural. O candidato do PT não promete a recriação do Ministério da Cultura em seu plano, apesar de fazer essa promessa em comícios e entrevistas. Leia o plano.
Jair Bolsonaro (PL)
Em seu plano de governo, o candidato à presidência, Jair Bolsonaro declara a intenção de “ampliar e fortalecer a Política Nacional de Cultura” através da triplicação dos R$ 7 bilhões de reais que ele afirma ter investido durante seu mandato, com o valor podendo chegar em 30 bilhões até 2026. Listado no plano, o candidato explica que esse dinheiro será utilizado para proteger os patrimônios culturais do Brasil e, caso seja reeleito, atuará no fortalecimento das gestões de política pública voltadas à cultura. No seu governo, no entanto, a cultura minguou com a perda de orçamento e o fim de políticas culturais. Por último, o plano prevê também a consolidação do Sistema Nacional de Cultura – SNC, que deve atuar como “instrumento de articulação, gestão, informação, formação, fomento e promoção de políticas públicas de cultura”, contando com a participação dos governos Federais, Estaduais e Municipais e da sociedade civil. Bolsonaro prorrogou duas vezes a implantação do SNC em seu mandato. Nos eixos estratégicos citados por Bolsonaro em seu plano, a cultura não é citada. Leia o plano.
Ciro Gomes (PDT)
Em seu Projeto Nacional de Desenvolvimento, o candidato Ciro Gomes defende a pluralidade de culturas e o fortalecimento da cultura. Buscando a democratização do acesso e consumo de bens e serviços culturais pelo maior número de pessoas, o presidenciável declarou a intenção de criar políticas públicas voltadas à essa questão, estimulando manifestações culturais e a consequente inclusão social que isso proporciona. Ciro afirma a intenção de regulamentar os serviços de streaming para que o incentivo e investimento na produção nacional e local seja obrigatória, além do apoio a startups de conteúdo digital transmidiático e o aumento do valor orçamentário para cultura e arte. O plano prevê ainda a atuação da ANCINE como reguladora do audiovisual brasileiro e a criação do programa Internet do Povo, para levar wi-fi e celulares para a população em áreas comunitárias, além da criação de cursos gratuitos de informática. Leia o plano.
Sofia Manzano (PCB)
A candidata do PCB cita em seu plano de governo a atuação em prol do resgate da cultura popular e de massas através do rompimento de grandes monopólios e a fomentação de espaços culturais nos bairros para garantir o amplo acesso à cultura nas regiões populares. Seu plano, porém, não apresenta propostas mais específicas para atingir tal feito. Leia o plano.
Eymael (Democracia Cristã)
Traz propostas bem genéricas e curtas para a cultura como o “resgate e valorização da cultura e da identidade nacional”. Diz também que irá fazer da cultura uma vertente da escolarização brasileira. Por fim cita que irá valorizar a diversidade e a pluralidade no financiamento de atividades culturais. Veja o plano.
Felipe D’Avila (Novo)
O candidato do Partido Novo apresenta propostas que apostam na relação da cultura com o desenvolvimento econômico a partir de políticas públicas, tornando os entes federativos, parceiros executores. O programa também aponta a educação como um caminho para disseminar o acesso à produção cultural. Nestes contextos, o plano apresenta quatro focos. O primeiro, sendo a criação do Conselho Nacional de Cultura, com a intenção de construir planos plurianuais contemplando diferentes modalidades de expressão. O segundo, dialoga justamente sobre inserir a cultura no processo educacional, construindo pontes entre o Ministério da Educação e a Secretaria de Cultura. No terceiro, o mapeamento das atividades é proposto, sendo este responsável por identificar o potencial de desenvolvimento dos setores criativos e trabalhar na conscientização dos governos locais e da população sobre a importância econômica destes setores. No quarto foco está a promoção do aproveitamento do patrimônio natural para fins de turismo e lazer, considerando a conversação ambiental, geração de renda e o desenvolvimento territorial. Leia o plano.
Leo Péricles (Unidade Popular)
Em seu plano, o candidato à presidência pela Unidade Popular, Leo Péricles, anuncia a defesa e incentivo da cultura de massa e popular através da nacionalização de produtoras de cinema e gravadoras musicais. Voltado à geração de renda, o candidato busca a democratização “dos meios de comunicação e dos aparelhos públicos culturais”, através da criação de uma indústria cinematográfica nacional, além da criação de provedores com conteúdos de domínio público e a fomentação dos bens e serviços culturais. Leia o plano.
Padre Kelmon (PTB)
Padre Kelmon, do PTB, usou o mesmo plano de governo de Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pelo STF. E não há nenhuma menção à cultura no documento. Leia o plano.
Simone Tebet (MDB)
Tebet promete tratar a cultura com o status e importância que merece e por isso promete, logo de cara, recriar o Ministério da Cultura. A candidata diz ainda que irá fortalecer as leis de incentivo à cultura, como a lei Rouanet, a lei Aldir Blanc e a lei do Audiovisual, “com fontes estáveis de financiamento e fomento, critérios objetivos e impessoais que contemplem ampla gama de atividades, artistas de todos os portes e de todas as regiões do país”. A candidata também traz propostas que interligam a cultura com o setor de turismo, com o incentivo ao ecoturismo e à visitação dos museus e parques nacionais. Leia o plano.
Soraya Thronicke (União Brasil)
A candidata pela União Brasil tem a intenção de implementar um plano de ensino de tecnologia para os profissionais da cultura, além de fortalecer estas manifestações e o sistema de infraestrutura audiovisual, games e outras atividades virtuais. Thronicke declara a intenção de regulamentar o Sistema Brasileiro de Cultura e o fundo Paulo Gustavo, além de também propor fomentar o Turismo no país e digitalizar os acervos da biblioteca nacional e outras instituições de relevância para o circuito cultural nacional. Leia o plano.
Vera Lucia (PSTU)
Traz poucas propostas e todas bem lacônicas. Defende a liberdade de criação cultural sem censura, o apoio estatal à criação e difusão artística e a construção de espaços artísticos nos “bairros populares”. Leia o plano.
Imagem no topo: a fachada reconstruída do Museu Nacional. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)