“Inovar e Evoluir”. Pode não chamar muita atenção a primeiro momento, mas essas palavras estampam todo o marketing da nona edição do festival Arte na Usina, iniciado na noite da última quinta-feira (7). O subtítulo, posto como um tema central, não faz muito a cara de um evento musical no interior de Pernambuco — falar de “evolução” ou “inovação” quando se trata de arte varia entre um tópico difícil, pretensioso, ou herege. Mas é aí onde mora o erro: a frase não é sobre o festival.
A festa é organizada por um projeto de nome muito semelhante, o Usina de Arte — um oásis artístico, ecológico e comunitário construído onde há cerca de 70 anos existia a maior usina produtora de álcool e açúcar do país e principal fonte de renda de Vila Terezinha, distrito do município de Água Preta, que ficou desestabilizada com o encerramento das operações consequente de falência.
Faz apenas oito anos que toda a estrutura da antiga usina, ainda preservada, foi reapropriada para fins filantrópicos. Não apenas se tornou um espaço para criação e exposição de grandes nomes das artes plásticas e uma referência em reflorestamento e preservação ambiental, mas um motor para o desenvolvimento de Vila Terezinha, gerando empregos, criando escolas e oferecendo espaços equipados com tecnologia e cultura para a população — além de, claro, estimular turismo.
“Inovar e Evoluir” não é sobre música, mas sobre o crescimento socioeconômico dessa vila que saiu da inércia que outras infelizmente se encontram. É por isso que o Arte na Usina é, acima de tudo, feita com paixão, dos financiadores aos artistas no palco, e um propósito além do comercial que a mentalidade de capital por vezes esquece que pode existir.
Com palco montado na praça central do distrito, o público era pequeno, familiar e um pouco tímido, mas isso não tirou o olhar apaixonado dos músicos convidados, nem diminuiu a entrega.
A programação principal começou por volta das 20h, com Marcelo Jeneci dando o pontapé inicial ao festival. Com sanfona em mãos, o paulista natural de Guaianases trouxe repertório alternando suas autorais com clássicos do forró e do baião para a plateia cantar sem medo, além de um rearranjo de “Amor de Quenga“, de Pabllo Vittar.
Mas o que chamou mais atenção foram algumas de suas músicas ainda não lançadas, como “Malaquias“, parte do disco Caravana Sairé 2, que Jeneci promete lançar durante o carnaval.
“Meu disco Caravana Sairé acabou de sair, mas só tem duas músicas autorais, as outras são clássicos, mas o Caravana Sairé 2 tem Malaquias e outras músicas inéditas. Vamos começar a lançar a partir do carnaval”, garantiu.
O público de Jeneci foi um pouco mais difícil que o enfrentado pelos demais nomes da noite, que ainda era uma criança. Ainda assim, o sanfoneiro sentiu o carinho da população de perto ao descer do palco e encontrar uma fila de fãs na porta do camarim para conseguir uma foto. Para o cantor, a oportunidade de tocar para uma cidade pequena e ter esse tipo de contato com o povo deixou o festival mais perto de casa.
“(Estar aqui) é unir uma ponta com a outra, é a cobra mordendo o próprio rabo. Faz parte da vida de todo mundo chegar uma hora em que você borda alguns pontos da mesma história. E esse presente de rodar pelas estradas do Brasil em busca das pessoas, dos bairros, do povo mais próximo da pureza, é muito especial para mim”, contou.
Terminada sua performance e a interação com os fãs, Jeneci e sua banda se juntaram a platéia para prestigiar todo o restante da noite, que passou para as mãos de Almério e Martins.
A história da dupla com o Arte na Usina é longa, e sua relação com esse público já é de intimidade, o que ajudou para soltar um pouco quem ainda estava mais contido. Com um melódico e sensual acorde de guitarra quebrando o silêncio da espera, os artistas se apropriam o palco com pulos e movimentos coordenados, uma presença e energia que faz parecer que a estrutura estava em chamas.
“Esse festival nos refloresta, tanto os artistas quanto o público. Me sinto muito em casa, é um lugar de acolhimento, segurança e uma explosão de amor”, disse Almério após o show, se preparando para atender os fãs que esperavam a dupla fora do camarim.
“Eu amo esse festival, como artista e público. É sempre uma alegria imensa, amo essa região. Todas as vezes que me convidarem, estarei aqui com toda certeza”, completou Martins, na correria para se juntar ao parceiro de música.
O repertório alternou entre duetos e canções solo de ambos os artistas, o que deu a oportunidade de Almério fazer o lançamento de “Boy Magia“, lançada nas plataformas digitais ao final do show.
“Hoje eu renasço com essa canção, que aponta para um novo lugar: o meu disco, Neste Exato Momento. “Boy Magia” é um beijo ardente numa noite de balada sem fim, um beijaço LGBTQIA+ na noite do Recife. Tem paixões que a gente vive uma noite só, mas são inesquecíveis”
A terceira e última apresentação da noite, que já virava a madrugada, foi de um dos nomes mais aguardados desta edição do Arte na Usina — a cantora Céu. Sua participação foi encarada com alguns receios ao longo do dia, devido a um mal estar que persistiu até momentos antes de subir ao palco. Mas quem assistia, não imaginaria sua condição.
Com o show Fênix do Amor, Céu se impôs mística e sensual, aliada a uma coreografia contemporânea, baixo pesado e vocais etéreos. Mas a distância do público incomodou a cantora, que logo nas primeiras músicas percebeu que apesar do público empolgado, precisava de mais proximidade pra criar intimidade, e pediu para a organização retirar a grade que separava a platéia do palco — o que acabou sendo o maior acerto da noite, e não seria uma surpresa se virasse a regra para o restante do evento.
O festival Arte na Usina continua até o domingo (10), com entrada gratuita. Nesta sexta-feira (8), sobem ao palco Patrícia Firmino, Dany Myler e Conde Só Brega.