A POTÊNCIA DO MITO
Filme do diretor Vincent Morisset aumenta o mito em torno do Arcade Fire ao mesmo tempo que elucida o repentino sucesso do grupo
Por Gabriel Gurman, de São Paulo
MIROIR NOIR
Vicent Morisset
[Merge, 2009]
Catarse. Se esta palavra fosse habitual no dia-a-dia dos brasileiros, ela seria a mais ouvida depois do show da banda Arcade Fire no MAM carioca, dentro do TIM Festival de 2005. Antecedendo o esperado Wilco, a banda canadense subiu no palco relativamente desconhecida. Se “Wake Up” já fazia parte de alguns IPods da época (quando ele ainda era branco e pesado), a cara dos sete integrantes era completamente desconhecida. Aos poucos, a peculiar formação da banda embasbacou cada um dos presente que, como se não tivessem controle sobre seus corpos e atos, cantavam, dançavam e gritavam sem mesmo saber exatamente porquê. Era o caos que, transformado em harmonia, convertia-se em plenitude.
Nascido em 2003 em Quebéc, no Canadá, o Arcade Fire em pouco tempo já chamava a atenção de importantes veículos como o site Pitchfork, conquistando fãs como David Bowie e U2, que contribuiram para alavancar a carreira do grupo. Já com um EP na cartola, o Arcade Fire lançou em 2004 o fantástico Funeral, aclamado por mídia e público, conduzindo a banda a uma massiva turnê mundial. Enquanto “Crown of Love” conquistava com sua sutileza transgressora e arrebatadora em seu final e “Haiti” hipnotizava, era, definitivamente, a arrebatadora “Wake Up” que dava a cara da banda.
Após a exaustiva turnê, o septeto lançou em 2007 seu segundo álbum, Neon Bible, onde mostrou uma outra faceta até então desconhecida – sua ligação com novas tecnologias e a utilização de diferentes ferramentas exploradas através da internet. Esperado por seus fãs como Messias, o disco foi gravado dentro de uma igreja, segundo os integrantes, por conta da melhor acústica. Se as canções não eram tão cativantes como “Wake Up”, o álbum serviu para consolidar a carreira do grupo, afastando-o de possíveis conexões com a mais maldita das palavras na área musical: o hype. O primeiro single, “Intervention”, foi lançado através de um site especial do álbum, onde um numero de telefone era disponibilizado e através da ligação, podia-se ouvir a música. Outro lançamento “extra-musical” que voltou os olhos da mídia e do público para a banda foi o do clipe de “Neon Bible”. No site do vídeo, a banda possibilitava que o espectador se tornasse um verdadeiro editor do clipe, através da interação com as imagens.
Apesar do inegável sucesso dos dois álbuns lançados, é incontestável que o grande diferencial do Arcade Fire são suas apresentações. Quem já teve a oportunidade de experenciá-las – assim como eu, aliás, por três vezes – sabe do que estou falando. E é exatamente isso – e muito mais! – que o documentário “Miroir Noir”, lançado recentemente e disponível para download aqui traz. Dirigido por Vincent Morisset (também diretor do vídeo de “Neon Bible”), o filme traz, ao longo de seus 70 minutos, cenas da gravação do álbum, shows em diferentes localidades, alem de recados gravados das ligações para o “disk-Arcade Fire”. Sem o uso de qualquer forma de entrevista ou de interação com a câmera, o diretor consegue captar, de maneira fielmente representativa, o universo particular “arcadiano”. Detalhe para a incrível cena da banda tocando “Neon Bible” em um elevador, onde o alucinado nerd Richard Reed Pary rasga as páginas de uma revista, tranformando-a um instrumento.
Com uma direção de fotografia que remete a filmes surrealistas, cujo principal expoente foi Luis Buñuel, as imagens das apresentações são misturadas com outras que, se não se explicam totalmente – ou mesmo por conta disso – se contextualizam de imediato com a proposta artística da banda. É um grande acerto na transposição estética entre as diferentes vertentes artísticas. Em uma das poucas frases do filme – na verdade, a única – o vocalista Win Butler explica: “Não estamos aqui para fazer um show. Estamos aqui para trazer experiências que você queira viver. Essa é a nossa aposta”. Pois bem, Win. Tenha certeza que, se depender do que têm feito até agora, os cavalos não estão decepcionando.