Anitta e o triunfo da malandra: o pop latino BR deseja ir além em Kisses

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De uma coisa é certa: Anitta é uma das artistas brasileiras mais influentes nas redes sociais e de destaque na mídia nacional e internacional. Com uma semana de lançamento, Kisses, seu quarto álbum de estúdio e primeiro visual, é bem o que o químico Lavoisier já disse: “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Nele, ela mistura diversas referências e canta em espanhol, português e inglês com o intuito de alcançar mais ainda o mercado fonográfico de língua internacional.

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O álbum traz a colaboração de diversos artistas  desde produtores musicais e masterização, às participações especiais. Aliás, mesmo se fazendo diversas críticas negativas à voz, clipe e narrativa, o trunfo de Kisses é, sem dúvida, o investimento pesado que Anitta fez em parcerias nacionais e internacionais. Dentre elas, destacam-se: o rapper Snoop Dogg; o DJ Alesso; o rapper jamaicano Chris Marshall; Prince Royce; Swae Lee; DJ Luian e Mambo Kingz; Papatinho; Becky G; a funkeira Ludmilla e Caetano Veloso. Tudo milimetricamente planejado e executado nos mínimos detalhes.

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Em nenhum outro momento da história a música latino-americana esteve tão em alta. E é essa onda que Anitta aproveita, sendo ela própria um dos maiores expoentes desta cena no mundo. Nomes como Maluma e J. Balvin vêm conquistando cada vez mais espaço no mercado anglófono (ambos já fizeram participações com Anitta). Além disso, o mercado norte-americano está bombando de artistas que honram suas raízes e misturam ao seu pop referências de países sulamericanos, caso de Kali Uchis, Helado Negro e Empress Of.

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“Kisses”, lançado em 5 de abril, mostra diversas personalidades de Anitta em diversos gêneros musicais (Foto: Divulgação/Internet)

10 músicas, 10 Anittas, 10 personalidades.

Kisses é o primeiro álbum visual da carreira da cantora de Honório Gurgel (RJ). Esse estilo implica em videoclipes que ilustrem cada uma das dez faixas, mantendo um diálogo entre som e imagem. Porém, isso não é novidade, nem no exterior, nem muito menos no Brasil. Em 2018, o rapper Marcelo D2 lançou o álbum visual AMAR é para os FORTES. Além disso, é possível ver claramente influências artistas como Lady Gaga, Beyoncé, J-Lo, Ariana Grande e Cardi B presentes na mais nova produção de Anitta. Nessa onda de influências, a cantora faz uma forte referência ao que Queen B lançou no mercado fonográfico em 2016, com Lemonade.

Dados levantados mostram que a artista americana obteve mais de 116 milhões de acessos nas plataformas de streaming e no YouTube em apenas uma semana. Anitta, num dia, alcançou 20% desse número. Ou seja, nas primeiras 24h, ela fez com que o álbum passasse da marca de 1 milhão de visualizações na plataforma de vídeo. No Spotify, as 10 músicas apareceram no Top 30 das mais ouvidas no Brasil.

Esse feito, em parte, se deve às inúmeras colaborações internacionais no álbum. Por exemplo, Prince Royce, com quem Anitta estrela a faixa “Rosa”, possui um clipe com mais de 1 bilhão de acessos. Assim como Swae Lee, parceiro em “Poquito”, é um dos rappers mais requisitados nos Estados Unidos. Essas alianças fazem com que Anitta seja cada dia mais conhecida lá fora.

Na construção do audiovisual, por exemplo, é possível perceber um mosaico. Katy Perry, Christina Aguilera, Cardi B e até mesmo Xuxa são nomes que nos vêm à mente em clipes como “Juego” e “Banana”. E, por falar na eterna Rainha dos Baixinhos, que ficou mundialmente conhecida com seus programas de TV, CDs e DVDs, Anitta consegue repetir o feito de Xuxa, agora, usando as redes sociais e os streamings ao seu favor.

Em “Atención” temos uma Anitta cheia de atitude e força, mostrando uma mulher independente. Ela também exalta outras mulheres no videoclipe, trazendo uma diversidade muito bonita e significativa para os tempos atuais. Em quesito de originalidade musical, não parece algo novo, inclusive, lembra muito a música “Formation”, de Beyoncé, ao rimar o título da canção com a palavra “formación”. O que não diminui em nada a música, sendo uma das mais chicletes e gostosas de se ouvir. Mas, sem dúvida, um dos maiores feitos do videoclipe é a mensagem de saúde coletiva passada: em algumas cenas, Anitta e as outras mulheres encenam o autoexame de mama, alertando sobre a prevenção do câncer de mama.

Dos 10 clipes lançados, “Banana” é o de maior visualização no YouTube, com cerca de 17 milhões de visualizações. Ao lado da jovem popstar Becky G, temos uma Anitta debochada, fã do sarcasmo. A música é bem chiclete e faz parte daquele pop mais frívolo e colorido que lembra muito seu início em “Bang” e “Show das Poderosas”. Em alguns momentos, parece estarmos vendo uma mistura de “Salada Mista”, da Xuxa, com “California Gurls”, da Katy Perry.

No único funk no álbum, “Onda diferente”, Anitta faz parceria com a funkeira Ludmilla e o famoso rapper Snoop Dogg. A introdução da música mostra bons vocais das cantoras em um estilo de funk em 150 batidas por minuto (BPM), com um excelente vocal das duas cantoras. Depois, a marcação do ritmo mais acelerado vem à tona. A música além de ser muito dançante, tem um videoclipe que a representa muito bem. Nas cenas iniciais, que parece algo bem futurista, Snoop Dogg aparece fumando maconha, enquanto Anitta e Ludmilla parecem plantar um pé da erva.

E por falar no rapper, a sua colaboração deu no que falar justamente por este trecho: “Anitta, Anitta, so glad to meet ya! / I’m big Snoop Dogg, and I’ll be the feature,”. Ao que parece, o Snoop Dogg lembra à Anitta de como funciona toda colaboração musical e que ele é o grande rapper. O clipe é o segundo de maior visualizações até o momento, com cerca de 15 milhões de visualizações.

Nota: 9,0

“Sin Miedo: Aqui nós temos um reggaeton puro, com uma Anitta abusando bastante de melodayne – o que, para a estética da narrativa do videoclipe, super combinou. Na letra, fala-se muito sobre a impulsividade e de viver cada minuto da vida sem medo do futuro. O tom de humor e deboche se confundem o tempo inteiro da historinha contada pela Anitta, que beija todo mundo (homens e mulheres) com muito gosto. Parece que ela nos mostra que realmente é a bissexual que tanto propaga na mídia. Um fato curioso se dá pela inclusão da famosa música do sertanejo Michel Teló, que ficou estourado com a música “Ai, se eu te pego!”. Anitta faz referência direta, só que em espanhol.

Outra curiosidade é mais sobre a própria construção das imagens, que parecem ter sido gravadas por câmeras de celulares – bem provável de ter acontecido, até porque Anitta é garota-propaganda da Samsung. Além disso, a faixa conta com a participação de dois grandes nomes de Porto Rico, DJ Luian e Mambo Kingz.

Em “Poquito”, a personalidade de Anitta já é mais calma em relação à anterior. Aqui, ela se apresenta de forma sexy e romântica, num trap rap lento ao lado do norte-americano Swae Lee. O clipe tem um tom escuro e intimista, proporcionando um atmosfera que faz jus à música e à sua métrica.

“Tu y Yo” traz a força de uma Anitta que não desce do salto em hipótese alguma, numa batida mais dance e romântica. A parceria com Chris Marshall foi para os dois. O jamaicano era pouco conhecido antes de Anitta aparecer na vida dele com essa parceria. As cores claras e a praia criam um clima romântico.

“Get me Know”: única faixa em inglês do álbum, com participação pífia do DJ Alesso, com quem Anitta faz uma colaboração no passado no projeto Check Mate, na música “Is That for Me”. A introdução da música é a mesma da série “Vai, Anitta”, disponível na Netflix, o que quer dizer que, provavelmente, fosse a única faixa já pronta e/ou em produção desde novembro do ano passado. Anitta incorpora uma adolescente imatura, que está ainda em fase de amadurecimento.

No videoclipe, soa super estranho a interação da cantora com bonecos de manequim até que, em certo momento, Alesso aparece como o príncipe encantado. No quesito musical, é a menos marcante do álbum, quase impossível de lembrar, inclusive. Parece até parte do repertório de alguma loja de shopping center. Talvez um box remix caia bem em alguma boate.

“Rosa”, parceria com o americano Prince Royce, figura bastante famosa no atual cenário musical internacional, tendo vídeo com mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube. Novamente, Anitta acerta em suas parcerias. O videoclipe é bem provocativo, mostrando a face de uma mulher extremamente sensual e animada em meio a lindas rosas vermelhas. Existe, além do corpo extremamente sensual, um teor bem sexual na própria letra da música. “Y yo quiero más, no vayas a parar / Que lo que fácil se viene, ya fácil se va / No te voy a negar, no vayas a parar / No vayas a parar, que no quiero / Dice que no pare cuando me riega la rosa / Dice que no pare, con cuida’ito la toca”. Anitta parece usar a palavra “rosa” como uma metáfora para a genitália feminina.

“Juego”: Anitta nos mostra uma mulher forte, que lidera e é, literalmente, uma versão “boss”. O ritmo é marcado por um toque eletrônico, como de um videogame antigo de fliperama, o que me parece bem original. Se ela é fã do deboche, devo afirmar que nesta faixa podemos perceber bem mais do que em “Banana”. Um reggaeton bom de se ouvir e que, num primeiro contato, pode parecer comum.

“Você mentiu” é a única música em português (do começo ao fim) e encerra o álbum visual de Anitta com ninguém menos que Caetano Veloso. Ela é a faixa bônus do mais novo trabalho da nossa brasileira. A melodia lembra muito uma bossa nova e, com certeza, pode entrar para o que, em algum momento, se convencionou chamar de MPB. Para esta faixa, detenho-me mais às críticas. Em primeiro lugar, o videoclipe são flashes dos cantores e da equipe dentro do estúdio para a gravação da música, o que nos traz um ambiente bem confortável e visivelmente bonito, principalmente por ser em preto e branco. No entanto, essa linha, ao menos no Brasil, não é nova. Podemos perceber essa estética no mais recente trabalho da cantora Sandy, o Nós, Voz, Eles, com quem faz parceria com diversos cantores brasileiros.

No que diz respeito ao gênero musical, podemos formular duas hipóteses: de que seja um paixão antiga ter um dueto com Caetano, mas também uma forma dela se respaldar da crítica musical e dos haters, que afirmam sua falta de potência vocal – lembrando, muitas vezes, tons parecidos com os das ex-apresentadoras infantis, como Xuxa e Eliana. Mas, acredito que encerrar com esta faixa tenha dois significados: o primeiro, um bom final, numa pegada mais lenta, romântica e digna de bons vocais para uma boa MPB; a segunda, de que é, também, mais uma boa jogada de marketing da nossa grande empresária-cantora, visto que a Música Popular Brasileira (MPB) é muito tocada e respeitada no exterior.

De forma geral, Anitta nos proporcionou um bom álbum, com diversas participações especiais e com boas músicas. Kisses é o cartão de visita dela para a indústria fonográfica internacional.

Cada passo de Anitta é meticulosamente planejado. Quando é para mostrar o processo de produção pelo Instagram, ela faz. Quando é para planejar na surdina, também. Ao contrário de nomes brasileiros que não decolaram lá fora ou que não conseguiram serem administrado brilhantemente, Anitta parece reconhecer toda a lógica de distribuição e divulgação disponíveis na indústria hoje, com especial destaque para o poder dos serviços de streaming (YouTube e Spotify). Ela sabe o grande potencial que eles oferecem aos artistas atuais fora do mundo dos países de língua oficial inglesa. Kisses é a melhor representação disso, em que ela troca de idioma, conceito e parceiro musical como quem troca de roupa.