Após seis dias, sete estreias de longas-metragens, um total de vinte exibições competitivas entre as modalidades tradicional e infantil, seis mostras especiais e 135 obras brasileiras e internacionais escolhidas num universo de 1700 inscrições, a 13ª edição do Animage chegou ao fim na noite do último domingo (8).
O dia não foi somente de cerimônias e despedidas. Ainda durante a tarde, o polo da UFPE realizou as reprises das mostras Africana e Competitiva Infantil, enquanto a sala da Fundação Joaquim Nabuco do Derby fazia a estreia do longa-metragem brasileiro Placa Mãe, de Igor Bastos.
Foi durante a noite, com a Fundaj lotada, que os organizadores iniciaram a finalização do Festival. O tempo era curto, já que cada um dos vencedores teria seu filme nas telonas uma última vez pelo Animage, então os oradores não se prolongaram. Antônio Gutierrez, diretor do evento, abriu a cerimônia relembrando o motivo pelo qual decidiu criar a mostra. “Eu e meu filho assistimos muitos filmes juntos, mas percebi que não havia uma mostra de cinema de animação no Recife intocada pela indústria”, relatou.
Gutierrez também ressaltou a relevância do trabalho realizado pelo Animage no cenário nacional, se consolidando hoje como o maior festival de animação em atividade no Brasil. “Estamos entre os mais representativos do mundo. Há um objetivo permanente de trazer para o público, a cada edição, um recorte preciso do melhor da animação”, disse.
Passando o microfone adiante, o trio de jurados da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA) aproveitou do momento para uma homenagear o cineasta e animador Jeorge Pereira, amigo e referência não apenas do júri, mas de muitos entre a organização do evento, participantes e público, e cujo nome batiza o prêmio especial.
Finalmente, o Troféu Jeorge Pereira de Melhor Curta Brasileiro (ABCA) foi entregue ao filme Carcinização (2023), de Denis Souza – o primeiro que o curta faturou na noite que acabava de começar. A narrativa acompanha um trio de amigos em busca de mudanças em suas vidas – Liz quer fazer música diferente, Mari pretende trancar a faculdade, e P1 decide virar um caranguejo, através do processo que dá nome à obra.
“Em meio a tantos filmes fantásticos e diversos falando de passado e presente sem perder de vista o futuro, mostrando a força da produção nacional, chegamos a uma decisão pela trilha inspiradora, frescor estético em função da narrativa e por tratar de temas sensíveis como futuro, incertezas, inseguranças da juventude e transformações”, declararam os jurados.
A vez passou para os prêmios do Troféu Animage. Este trio de jurados, no entanto, estava incompleto – o animador e cineasta Marcelo Marão retornou ao Rio de Janeiro depois de assistir às sessões do sábado, deixando a apresentação dos vencedores nas mãos de seus colegas Ianah Maia e Ulisses Brandão.
Nas categorias técnicas, o curta húngaro Introdução aos Estudos Cinematográficos (2023), de Géza M. Tóth, venceu Melhor Som. A obra carregada de referências à sétima arte e à cultura pop retrata os diferentes gêneros de cinema através de palitos de fósforo que se movimentam, lutam e se emocionam, com cada mínimo contato entre personagens, dano feito ao material ou chacoalhar da caixa é acompanhado de impressionantes efeitos sonoros.
O francês A Passageira (2022), de Hannah Letaif, faturou o troféu de Melhor Técnica – e ele dispõe de várias ao contar a história da personagem-título em busca de libertação em meio ao desprezo do mundo à sua volta. “Pelas múltiplas técnicas escolhidas conceitualmente vinculadas à diversidade de temas e propostas, munida da ousada variação de devastadoras escolhas para atuação, combinando a técnica à dramaticidade da narrativa”, justificou o corpo de jurados.
A Melhor Direção de Arte ficou com o britânico Curiosa (2022), de Tessa Moult-Milewska, que acompanha Mary em sua viagem pelo subconsciente de seu namorado após visitar pela primeira vez seu apartamento vazio. O filme combina corpos humanos com expressivas cabeças animadas em stop-motion e dispõe de cenários palpáveis e criativos representando as diferentes emoções vivenciadas pelo rapaz e os pontos alcançados pela narrativa.
A República Tcheca levou o troféu de Melhor Roteiro com Meu Nome é Edgar e Eu Tenho uma Vaca (2023), de Filip Diviak, que relata a vida de um homem tomar rumos inesperados ao decidir adotar um bezerro nascido durante uma visita a um abatedouro. “Esta obra trilha um caminho sereno e revela que a verdadeira comunicação emerge daquilo que é puro. A singela e improvável amizade pintada neste curta nos transporta para momentos e lugares únicos de nossa própria memória. Um roteiro que é, ao mesmo tempo, potente e suave; uma carícia para a alma que cativa e acolhe o público em um abraço caloroso”, pontuou o júri.
Deixando as categorias técnicas, duas menções honrosas: o brasileiro Lapso (2022), de Mônica Moura, que atravessa a vida de uma mulher de sua infância à juventude de sua filha, marcando na tela fragmentos das épocas vivenciadas, num misto de informações além das animações que complementam o conceito, perdendo detalhes de determinados momentos da vida; e Gromonmon (2022), da Ilha da Reunião – localizada ao leste do continente africano – e dirigido por Laurent Pantaleón, relatando por meio de diferentes técnicas de animação a libertação de povos originários escravizados e a origem de um reino mitológico nas terras altas.
Entre as categorias principais, o prêmio de Melhor Direção ficou com o francês Recursos Humanos (2022), dirigido pelo trio Trinidad Plass, Titouan Tillie e Isaac Wenzek. Este mockumentary (pseudo-documentário) em stop-motion filma uma aparentemente inofensiva consulta de reciclagem que resulta nos últimos momentos de vida do protagonista Andy. A simulação dos movimentos e ausência de cortes de uma câmera documental surpreendem ao passearmos pelo escritório que ambienta a história e lentamente somos levados à reviravolta da reinterpretação da reciclagem, ostentando humor ácido e absurdo
Levando seu segundo troféu para casa, desta vez o de Melhor Curta Brasileiro, a equipe de Carcinização volta à frente da sala de cinema – sendo a única presente entre os vencedores, e desta vez com ainda menos agradecimentos preparados para discursar. Segundo o corpo de jurados, o filme possui um “uso criativo, jovem e atual da técnica de animação em conjunto com a direção de arte, que se apresentam de formas tão diversas quanto cada momento da narrativa parece pedir, embalados pelo som da trilha sonora que no soam nativas daquele ambiente e história”.
Mais uma do Brasil, Coelhitos e Gambazitas (2022), de Thomate Larson, foi premiado como Melhor Curta Infantil. Entretanto, não é só a criançada que se diverte com o filme – a mensagem, na verdade, vale até mais para os adultos. Em uma casa imersa no mundo digital, um coelhinho cuida dos irmãos quando os eletrônicos são confiscados e o caos reina fora do alcance dos pais. A animação também dá um passo além ao utilizar diferentes técnicas para mimetizar populares jogos de videogame, como Minecraft, em cada desafio encontrado pelos irmãos.
O grande prêmio do júri do Animage – o troféu de Melhor Curta-Metragem e o valor de R$ 4 mil – foi para o português Mercadores de Gelo (2022), de João Gonzalez, que retrata a melancólica e apaixonante rotina de um pai e um filho que todos os dias saltam de paraquedas desde sua casa suspensa num penhasco até a cidade mais próxima para vender gelo, num conto de amor e dor. O curta tem sido extensivamente premiado no exterior, sendo inclusive a primeira animação lusitana a ser agraciada com um troféu no Festival de Cannes.
Por fim, finalizando tanto as premiações quanto as exibições dos vencedores, o brasileiro Cadê Heleny? (2022), de Esther Vidal, foi eleito o melhor curta-metragem do Animage pelo público recifense. A obra em stop-motion, que além de valor artístico cumpre papel histórico e jornalístico, reconta a vida da filósofa, teatróloga e militante Heleny Guariba, torturada e desaparecida em 1971 sob a ditadura militar, pelas palavras de seus conhecidos.
A vitória foi anunciada por Gutierrez, que expressou que a decisão é uma prova de que os cidadãos da Região Metropolitana do Recife estão atentos aos crimes cometidos durante o regime militar no país. O filme também recebeu menção honrosa da ABCA.
“Em um passado não muito distante no nosso país, a resistência tinha um preço muito alto a se pagar no período da ditadura. Um filme potente, muito bonito e importante que expõe nossa ferida com essa simples pergunta, extensão de outras tantas sem resposta, de tempos nebulosos que ainda insistem em nos assombrar”, expressou o trio de jurados da organização.
Os vencedores do Animage 2023
Melhor Curta – Grande Prêmio ANIMAGE: Ice Merchants, de João Gonzalez (Portugal)
Melhor Curta – Prêmio do Público: Cadê Heleny?, de Esther Vidal (Brasil)
Melhor Curta Infantil: Coelhitos e Gambazitas, de Thomate Larson (Brasil)
Melhor Curta Brasileiro: Carcinização, de Denis Souza (Brasil)
Melhor Direção: Ressources Humaines, de Trinidad Plass, Titouan Tillie e Isaac Wenzek (França)
Melhor Roteiro: My Name is Edgar and I Have a Cow, de Filip Diviak (República Tcheca)
Melhor Direção de Arte: Curiosa, de Tessa Moult-Milewska (Reino Unido)
Melhor Técnica: La Passante, de Hannah Letaif (França)
Melhor Som: Introduction aux Études Cinématographiques, de Géza M. Tóth (Hungria)
Menções Honrosas: Lapso, de Mônica Moura (Brasil) e Gromonmon, de Laurent Pantaleón (Ilha da Reunião)
Prêmio ABCA Melhor Curta Brasileiro – Troféu Jeorge Pereira: Carcinização, de Denis Souza (Brasil, 2023)
Menção Honrosa ABCA: Cadê Heleny?, de Esther Vidal (Brasil, 2022)