Festival celebra a paixão pelo mangá com mais duas exposições dedicadas a Naoki Urasawa e Hiro Mashima, além da presença de mangás em todas as categorias da competição
Da Revista O Grito!, em Angoulême, França
Osamu Tezuka (1928-1989), o deus do mangá. É essa a tradução direta do nome da exposição que homenageia o autor aqui em Angoulême. Manga No Kamisama traz originais até então inéditos do autor, que dão a dimensão de sua importância para o desenvolvimento do meio e do diálogo de sua obra com as mudanças socio-políticas no Japão ao longo do século 20. Com mais de 170 mil páginas desenhadas, Tezuka atuou em todos os segmentos possíveis de mangá, de leituras infanto-juvenis a adultas, passando por obras históricas, além de ter introduzido estéticas até então alheias ao mangá japonês, como o imaginário das animações americanas, sobretudo da Disney.
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Mas a sua maior inovação foi mesmo trazer o dinamismo do cinema para as páginas dos quadrinhos. Até então o mangá estava muito ligado a uma referência literária japonesa, que remontava ao século 18-19 e também ao tradicional texto teatral. Com Tezuka, as formas e ritmos ficaram mais ágeis e a narrativa mais explosiva e emotiva. Isso alavancou sua popularidade e a indústria, seguindo essa inovação, nunca mais foi a mesma.
Entre suas obras mais conhecidas estão Astro Boy (Tetsuwan Atom, 1952), Kimba – O Leão Branco (1950), Phoenix (1968), Ayako (1972), Buda (1972), Dororo (1967), A Princesa e o Cavaleiro (1953), Adolf (1983). Em todas podemos perceber um traço claro, simples, mas muito expressivo, quase sempre utilizando animais, robôs e outros seres não-humanos como protagonistas. Mesmo quando trabalha em títulos adultos, mais sérios, é possível encontrar humor e leveza na sua narrativa.
Entre os temas onipresentes em seus trabalhos estão a destruição do meio-ambiente, os perigos do imperialismo, o genocídio, a colonização e a ditadura. E falou disso mesmo em mangás voltados para crianças. Tezuka começou a carreira em um período pós-Guerra, quando o Japão ainda se recuperava e onde até o papel era escasso. A exposição traz os primeiros originais do autor, onde seus quadrinhos eram impressos em uma técnica mais barata que precisava “decalcar” toda a arte em pranchas antes da impressão. Como muito do desenho original se perdia nesse processo, Tezuka decidiu simplificar ainda mais o traço para que pudesse chegar cada vez mais perfeito ao leitor. A saída foi encontrar um modo de tornar o mangá minimalista, mas emocionante sem perder qualidade.
Astro Boy, sua primeira grande obra e até hoje a mais famosa, é um retrato do tom humanista do autor. O nome original, Tetsuwan Atom, entrega que o tema principal aqui é o perigo trazido ao mundo pela tecnologia nuclear. A história mostra as aventuras de um menino robô que é alimentado por uma célula atômica. O quadrinho foi um dos mais longevos do Japão e o primeiro a ter sua adaptação desenvolvida diretamente para a TV.
A exposição em Angoulême trouxe um painel interativo bem interessante que mostra um Astro Boy em detalhes como numa mesa de reparos. Ao passar uma luz ultravioleta é possível ver os mecanismos e órgãos internos do herói, o que ficou bem legal! A expo trouxe ainda trabalhos pouco conhecidos de Tezuka, como suas pinturas, seu interesse pelas tradições hindus, budistas, seu lado mais experimental, além de contar detalhes de sua biografia.
Japonismos em Angoulême
É a primeira vez que o autor ganha uma exposição desse porte na Europa. O festival trouxe ainda mais duas exposições com autores japoneses este ano, uma sobre Naoki Urasawa (de Pluto e 20th Century Boys) e Hiro Mashima (de Fairy Tale). Kurasawa é tido hoje como um dos mais importantes autores do mangá e tem uma produção prolífica, abrangendo vários temas. Já Mashima é tido como um dos principais renovadores do gênero shonen, voltado para jovens adolescentes.
O Japão está em destaque em Angoulême em 2018. Além das exposições, há presença de mangás em todas as categorias da competiçao oficial. Essa mobilização toda marca o aniversário de 160 anos das relações diplomáticas entre Japão e França, além dos 90 anos de Tezuka. Por toda essa paixão dos franceses pela cultura japonesa que ouvimos bastante por aqui que a França “é o segundo país do mangá”.
* O jornalista viajou em uma parceria com o Institut Français e o Consulado Geral da França no Recife