Maria Callas
Pablo Larraín
EUA, 2025. 2h03. Biopic. Distribuição: Diamond Films.
Com Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher.
Pablo Larraín, cineasta chileno de renome internacional, tem consolidado sua carreira através da exploração de figuras femininas célebres, cujas vidas, repletas de complexidade e reviravoltas, o diretor transpõe para a tela com sensibilidade. Com títulos como Jackie (2016) e Spencer (2021), Larraín demonstrou sua habilidade em capturar as nuances psicológicas de suas protagonistas, levando as atrizes Natalie Portman e Kristen Stewart a serem indicadas ao Oscar por suas performances. Agora, com Maria Callas (2024), o cineasta completa um ciclo de reflexões sobre grandes ícones femininos, com Angelina Jolie interpretando a voz e o espírito da soprano Maria Callas.
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O filme centra-se em uma fase específica da vida da artista, que se encontra nos anos 1970, em Paris, distante do palco e da fama. Larraín escolhe um recorte que, ao invés de narrar sua trajetória desde o início, explora as sombras de sua existência após o fim de sua carreira, quando a artista enfrenta um processo de reflexão angustiante sobre sua arte, seus amores e sua própria identidade. Ao tomar esse caminho, o longa se insere na esfera intimista e psicológica da personagem.
A opção de Larraín por uma abordagem mais subjetiva e sensorial resulta, em grande parte, em uma tentativa de transmitir a fragilidade emocional e existencial de Maria Callas, que se vê confrontada pelo peso de um legado artístico que a consome. A construção narrativa, escrita por Steven Knight, não se dedica à linearidade, mas, ao contrário, opta por um ritmo fragmentado. O diretor enfatiza não a cronologia dos acontecimentos, mas a sobrecarga de memórias e a tragédia do presente.
A performance de Angelina Jolie, em uma das atuações mais comedidas e introspectivas de sua carreira, capta a essência da personagem através da sutileza e da contenção. Jolie não tenta recriar a grandiosidade da diva, mas sim sua humanidade dilacerada, algo que confere uma aura de vulnerabilidade a uma mulher que, paradoxalmente, foi admirada como um monumento imortal.
O canto, ao longo do filme, não consegue estabelecer uma conexão verdadeira com o espectador; soa distante e calculado, de certa forma impessoal. Isso não se limita à performance musical, mas se reflete na estrutura narrativa como um todo. Embora o filme tente criar um laço profundo com Maria Callas, as escolhas do diretor parecem falhar em aproximar o público de seus pensamentos e emoções.
A proposta de imersão, que deveria ter sido a alma da obra, acaba se dissipando. As cenas, embora visualmente impressionantes, carecem de uma verdadeira carga emocional, oferecendo apenas uma falsa sensação de profundidade. Curiosamente, relações secundárias, como a de Maria com os funcionários de sua casa, revelam mais sensibilidade e complexidade do que qualquer outra interação, como o relacionamento dela com Kobi Smits-McPhee, por exemplo.
O que poderia ser uma celebração da grandiosidade de Maria Callas se perde em uma abordagem que, apesar da riqueza estética, não consegue explorar adequadamente a profundidade de sua figura. O roteiro falha em explorar essa dimensão, limitando-se a uma visão superficial e pontuada por flashbacks que pecam em capturar a verdadeira essência da cantora.
Apesar da execução técnica bem-sucedida, especialmente no primeiro ato, a obra carece de um elemento que realmente conecte o público com a alma de Callas ao longo de toda a narrativa. O filme se limita a observar a personagem à distância, sem realmente adentrar no seu mundo interior e nas complexas camadas que formaram sua personalidade e sua arte. Essa falta de uma conexão emocional mais profunda torna a proposta do longa fragilizada, resultando em um retrato que, embora sensível, não atinge o potencial dramático que se esperava de uma história tão imponente.
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