Amores Materialistas
Celine Song
EUA, 2025. 1h57. Drama. Distribuição: Sony Pictures
Com Dakota Johnson, Pedro Pascal, Chris Evans
Ao pensar sobre o quão adoecida a sociedade atual se encontra, o filósofo Byung-Chul Han aponta o narcisismo em desequilíbrio como protagonista de um “regime do eu” que exige ser preenchido, suprido incessantemente, no modo de vida capitalista. As verdadeiras relações interpessoais e afetivas se tornam porosas. “O corpo, com seu valor expositivo, equipara-se a uma mercadoria. O outro é sexualizado como objeto de excitação. Não se pode amar o outro, a quem se privou de sua alteridade; só se poderá consumi-lo”, diz o teórico no livro Agonia do Eros. Nascida na Coreia e radicada em outro país, assim como Han, a diretora Celine Song parece partir de semelhante concepção sobre os relacionamentos atuais para desenvolver seu Amores Materialistas (2025).
Espinha dorsal da obra, Lucy (Dakota Johnson) trabalha numa agência especializada em arranjar relacionamentos para pessoas à procura de matrimônio. A casamenteira tem olhar calculista e matemático acerca das conexões humanas; altura, cor dos olhos e – principalmente – o saldo bancário são condimentos que elevam ou rebaixam a posição de determinada pessoa no mercado de ações do coração. Sintoma dos tempos, estamos cada vez mais exigentes em busca da parceira e do parceiro ideal, como se houvesse o desejo de customização do companheiro perfeito – que não deixa de ser uma transposição dos mecanismos mentais impulsionados pelo mercado para o campo da vida sentimental dos sujeitos.

De forma nada implícita, a protagonista vivida por Dakota Johnson se vê num dilema amoroso que é clara representação da luta de classes: deve ficar com o charmoso, educado e milionário Harry (Pedro Pascal) ou reviver o amor com o ex-namorado John (Chris Evans), um aspirante a ator sem grana que ainda divide apartamento com amigos? Longe dos estereótipos unilaterais, Amores Materialistas acerta ao compor personagens erráticos, conscientes dos próprios defeitos. Diferente do que a expectativa em torno do filme previa, a obra se distancia das comédias românticas dos anos 1990 ao propor uma tonalidade narrativa mais fria, introspectiva, sem os arroubos emocionais característicos de produções do gênero.
Por um lado, a decisão de Song funciona para reforçar a ideia de calculismo da protagonista e das próprias relações atuais, nas quais a racionalidade aparenta estar sempre à frente da entrega emocional. Por outro lado, o filme acaba por gerar certa apatia na relação espectador-personagem; indeciso se complexifica as camadas dos personagens ou se mantém-se na superficialidade, o roteiro permanece em cima do muro dramático que pode desagradar boa parte do público. Para muitos, a beleza e o carisma do trio de estrelas de Hollywood serão suficientes para o envolvimento com a história. Outros – entre os quais me identifico – perceberão falta de química entre os atores em cenas que poderiam ser muito mais interessantes do que de fato são.
Mais uma vez filmando em Manhattan, Celine Song reitera a elegância por trás das câmeras, através de sequências internas e externas com movimentos sofisticados e muita compreensão na composição da misè-en-scene. Ainda assim, é impossível não identificar construções estéticas muito semelhantes a Vidas Passadas (2023), seu excepcional longa de estreia: o cenário do casamento no campo em Amores Materialistas nos remete imediatamente à sequência do retiro literário do filme anterior. Idem os planos da calçada com a arquitetura dos prédios ao fundo. Difícil não sentir o retrogosto de repetição.
Impregnado de uma melancolia realista e sem idealizações baratas, o novo filme de Celine Song é honesto ao abordar como até mesmo as relações afetivas são atravessadas pela lógica financeira. Apesar de ótimas passagens, Amores Materialistas é prejudicado pela indecisão sobre qual tonalidade pretende seguir para contar sua história. Timidamente cômico, o longa dificilmente agradará fãs de romcoms que aguardam a catarse dos arcos dramáticos de filmes como Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e Simplesmente Amor (2003). Sem desenvolvimento seguro dos personagens, a resolução final parece tão pressurosa quanto repetitiva, deixando a sensação de satisfação limitada ao subir dos créditos.
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