Série baseada em um dos romances mais populares do autor Nick Hornby, imortalizado no cinema por Stephen Frears em filme protagonizado por John Cusak, a série Alta Fidelidade traz Zoe Kravitz como a vendedora de uma loja de discos vintage em Crown Heights, no Brooklyn, Brooklin. No filme, de 2000, uma loja de vinis era realmente algo anódino, frequentada por egressos de Woodstock ou jovens completamente avessos ao mainstream, quase uma subversão. O tema do sebo de vinil como sinônimo de retrô falido aliás faz parte até mesmo de filmes nacionais, vide Durval Discos, em que o protagonista interpretado por Ary França representa um solteirão edipiano subjugado pela mãe. Ao trazer esse cenário do livro de Hornby para o século 21, em que prensar um disco virou um traço hipster e muito cult, as coisas mudam.
O figurino hippie chic de Kravitz condiz totalmente com esse novo ambiente, essa releitura, e a atriz está muito bem performando Robin Brooks, garota imersa na cultura pop de seu tempo e dona da loja em questão. Entre velhos ícones do rock e do pop, e as novidades contemporâneas, sobre espaço até para o pernambucano Lula Cortês, que aparece in memoriam na trilha, sem mencionar os comentários sobre Mutantes e Caetano Veloso, raridades do catálogo da lojinha de Robin.
Essa aparente traição à obra original, que resulta interessante, no entanto, não é tão radical quanto seria desejável. As decepções amorosas de Rob não soam tão melancólicas e niilistas quanto às do personagem original de Hornby, que por ser homem acaba assumindo ares de romântico e outsider, um cara apegado ao passado, vivendo fora da realidade, entre um romance frustrado e outro, ao som de clássicos do pop. Já o desespero de Rob para arrumar um marido é algo que costumeiramente é abordado em personagens femininas que passaram dos 30 anos ainda solteiras, e embora as roteiristas não cheguem a cair em estereótipos muito batidos do gênero, acabam ficando na superfície em temas que poderiam ser mais aprofundados. Nesse quesito, a música acaba ficando em segundo plano, como se fosse apenas um artifício secundário da mocinha em busca do amor verdadeiro.
Ainda assim, o desempenho de Kravitz é acima da média para esse tipo de trama, e quem está esperando por sua interpretação como a nova Mulher Gato da franquia do Batman certamente não vai se decepcionar. Kravitz é ainda produtora da série, que estreou na Hulu em 2020, mas está disponível na Starzplay, e que não teve a segunda temporada renovada, mas bem merecia uma segunda chance.
Em sua companhia, brilham os parceiros de loja, a estonteante e histriônica Cherise (Da’Vine Joy Randolph), e o ex-namorado, gay encruado, Simon Miller (David H. Holmes), hilários como vendedores que escolhem seus clientes. Nem todo mundo merece um vinil. Thomas Doherty faz o músico Liam, com a maior pinta de Oasis clonado- ele lembra muito o icônico astro indie Pete Doherty do Babyshambles -, e Kingsley Ben-Adir faz outro ex-namorado, Russell McCormick, que se converte no amor ideal e inacessível de Rob, e uma de suas maiores frustrações amorosas.
O interesse de Kravitz pela música não é casual, e nisso coincide com sua personagem. Filha de Lenny Kravitz com a atriz Lisa Bonet, desde cedo se interessou por atuar e por música. Sua banda com Jimmy Giannopoulos se chama Lolawolf, junção do nome de seus dois irmãos mais novos, fruto da relação de Bonet com Jason Momoa, o Acquaman. A banda já gravou até com Miley Cyrus. Essa característica certamente contribui para enriquecer a performance de Kravitz como Robin, ela se movimenta pelo mundo da música com uma naturalidade de fazer inveja ao inspirado Rob Gordon de Cusak. O monólogo e a quebra da quarta parede funcionam de forma mais livre uma vez que a série traz mais personagens e externas. Uma curiosidade: a mãe de Kravitz, Lisa Bonet, fez um dos interesses amorosos de Cusak no filme de Frears como Marie DeSalle.