Álbum de Beyoncé para o Rei Leão é uma fusão poderosa de pop com ritmos africanos

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The Gift, o disco da trilha sonora da refilmagem de O Rei Leão, é tão bem pensado, traz um conceito trabalhado de forma tão nítida, que faz jus à discografia de Beyoncé, hoje uma das mais interessantes e coesas do pop mainstream. Daqui a alguns anos, arrisco dizer que será até mais relevante que o remake da Disney. O que Beyoncé fez aqui, basicamente, foi usar o mote da trama ambientada na África para casar seu pop/R&B com os ritmos contemporâneos africanos. E esse intercâmbio deu bem certo.

Traz nomes como Yemi Alade, Mr Eazi, Wizkid, Burna Boy entre outros, todos estrelas em seus países. É um disco que celebra a diáspora africana, mas que também se relaciona com os trabalhos recentes de Bey, dedicados a reimaginar a ancestralidade africana na indústria do entretenimento e retrabalhar temas como feminismo negro e racismo.

beyonce lion king the giftNo auge de seu reinado, Beyoncé vive a hegemonia de ser a estrela pop mais relevante de seu tempo. Mais do que ganhar Grammys (foi vitoriosa 23 vezes), estar em topo de paradas e de ser dona da mais lucrativa turnê de uma artista nos últimos tempos (ao lado de seu marido Jay-Z), ela tem como seu maior triunfo o fato de criar obras com ressonância semelhante a movimentos culturais.

Com tudo milimetricamente pensado, seu controle criativo a permite entregar obras com uma eficiência bem alinhada com sua visão criativa. Basta ver seu documentário Homecoming, do Netflix, que mostra os bastidores de suas duas apresentações no Coachella, em 2018. Tudo ali era grandioso e orquestrado, com centenas de mentes e corpos trabalhando em uníssono. Mas todos a gravitavam. Beyoncé decidia desde o conceito das coreografias às roupas.

O disco teve produção de Beyoncé, Ilya e Labrinth, que também estiveram juntos no clássico Lemonade (2016). Ou seja, a meticulosidade da cantora a permitiu trazer à tona um conjunto de músicas que se relacionava bem com o filme ao mesmo tempo em que está bem entrosado com estéticas e temas trabalhados pela artistas em suas músicas recentes.

“Spirit” reflete bem isso. É bastante convencional, super orquestrado e tem cheio de música feita especificamente para ganhar o Oscar (um prêmio que Beyoncé deve já ter como garantido). Não há nada ali que já não tivesse sido testado antes, porém traz uma interpretação muita pessoal de Bey, que também atuou no longa como a voz da leoa Nala.

O resto do disco, para além desse single mais convencional, é bem mais legal. “DON’T JEALOUS ME” traz um combo com os nomes mais importantes do rap e house africano atual, Tekno, Mr Eazi e Yemi Alade. “KEYS TO THE KINGDOM”, novamente com Mr Eazi e Tiwa Savage, é puro soul africano com elementos do afropop da Nigéria. A participação desses astros da África pode dar a oportunidade para que se tornem ainda mais conhecidos fora do continente. “MOOD 4 EVA” tem a trupe Jay-Z, Beyoncé e Childish Gambino em uma faixa que poderia muito bem estar no Lemonade.

O disco é conceitual e traz vários interlúdios contando a história de Simba mostrada no filme. A Disney, no entanto, ainda irá lançar a trilha sonora instrumental do filme produzida por Hans Zimmer e Jon Favreau.

Ao lado da trilha de Pantera Negra assinada por Kendrick Lamar, The Gift, eleva a um outro patamar o negócio de fazer trilhas que se conectam com as obras originais, mas que possuem todo um poder próprio. Esta carta de amor de Beyoncé à África soa autêntica e verdadeira, ainda que seja amparada por uma gigante do showbiz como a Disney.

BEYONCÉ 
The Lion King: The Gift
[Parkwood/Columbia/Sony,  2019]