MANGÁ VANGUARDISTA
Akira, anime originário da década de 80, é relançado em edição de colecionador e revela as nuances do discurso cyberpunk
Por Eduardo Dias, blogueiro d’O Grito!
Em 23 de abril passado, o Brasil foi palco para o relançamento do clássico anime Akira, de Katushiro Otomo. O filme, originalmente exibido em 1988, agora volta às prateleiras para comemorar os 20 anos. Esse lançamento contará com duas opções: o box da edição especial de colecionador que reune a versão original do filme e uma versão widescreen com dublagem original remasterizada, pôsteres e cards do filme; a segunda opção trará apenas a versão widescreen remasterizada e á pode ser encontrada para venda em lojas on-line.
O filme se passa 30 anos após a 3ª Guerra Mundial e as autoridades da Neo-Tóquio (a antiga cidade foi destruída pela guerra) lutam contra o crescimento de movimentos rebeldes no underground do país. Esses movimentos são basicamente formados por jovens descontentes com a situação de decadência generalizada em todas as instituições do país. A gangue de jovens liderada por Kaneda é retratada pelo filme durante seu confronto contra a gangue dos Palhaços, mostrando o vandalismo que toma conta das ruas da cidade. Após Tetsuo, o integrante mais frágil da gangue, atropelar uma estranha criança azul-esverdeada, eles entram em uma perigosa batalha contra o governo e contra os poderes que eles não podem ver nem controlar.
Esse estranho acidente liberta de dentro de Tetsuo estranhos poderes que transformarão a sua vida para sempre, pois ele passa a ter uma poderosa força dentro de si e faz com que ele não seja mais o menino fraco da turma. Mas ele acaba capturado pelo governo e submetido a experiências científicas.
O projeto secreto que envolve Akira reúne grandes gastos do governo com a segurança e gira em torno do controle das atividades e de investigações científicas em indivíduos com poderes sobre-humanos. No filme – é prudente destacar que há diferenças entre o desenvolvimento da história no mangá e no anime, porém ambos possuem o mesmo final – , descobrir os segredos que envolvem essas crianças é a chave para evitar novos incidentes como o que acometeu Tóquio.
Nesse ínterim, uma parte da população de Neo-Tóquio acredita que Akira é a solução para a grave crise pela qual passam, enquanto que o Governo mantém-no preso pela sua responsabilidade na destruição da antiga Tóquio.
Akira é uma criança com poderes sobrenaturais que por possuir poderes potencialmente infinitos não conseguiu controlá-los e culminou com a 3ª Guerra Mundial e a destruição da cidade. Tetsuo passa por um processo semelhante ao descobrir possuir poderes após aquela fatídica noite em que foi capturado pelo Exército.
Obviamente, o filme não se restringe apenas à representação dos acontecimentos que envolvem Tetsuo, Akira, Kaneda e os outros personagens, mas alia à sua própria estética requintes de ficção científica e uma forte crítica à sociedade japonesa através da abordagem de temas como a alienação da juventude, a influência do poder militar no governo, o desmoronamento das expectativas e esperanças de um povo e até uma crise religiosa.
Akira tornou-se o mangá mais famoso no final da década de 1980, decorrente de sua inserção no mercado americano, que impulsionou a publicação em diversos países. No Brasil, o mangá foi publicado pela Editora Globo na década de 1990. A produção do anime foi outro fator que contribuiu para o sucesso mundial de Akira e ele também contribuiu para a transformação do campo da animação em longa metragem – dominado pela Walt Disney – através de uma nova forma de expressão.
O trabalho feito em Akira contou com uma especial dedicação nos detalhes das imagens como, por exemplo, a sincronização dos movimentos dos lábios com o áudio, a fluidez dos movimentos corporais dos personagens e a riqueza de detalhes das imagens do cenário. O legado de Akira é um mundo futurista, hiper-real, super-povoado e tecnologicamente avançado, que tem claras referências ao clássico futurista Blade Runner (1982), de Ridley Scott.
O gênero cyberpunk no cinema mistura ciência de ponta, tecnologias de informação avançadas e um alto grau de desintegração da sociedade do futuro. Também utiliza elementos estilísticos dos romances policiais, filmes noir, prosa pós-moderna e desenhos animados japoneses e elementos da cultura nipônica. Blade Runner foi o filme que deu um grande impulso na produção desse gênero cinematográfico, apesar do filme ter encontrado sucesso comercial apenas no aluguel de fitas VHS para um público especializado na temática. Akira é o primeiro anime que se tem referência da temática cyberpunk.
A junção desses elementos nos filmes pode ser encontrada em produções mais recentes como Matrix e em videoclipes como Do The Evolution, do Pearl Jam. Outros filmes recentes que possuem influências cyberpunk e dos animes são Minority Report, A Scanner Darkly (O Homem Duplo no Brasil). Matrix e Do The Evolution são dois casos que merecem atenção. O filme dos irmãos Waschowski teve uma carreira parecida como a de Blade Runner, encontrando reconhecimento na crítica especializada e em público conhecedor dos temas abordados e acostumados com aquele universo de referências.
Outra semelhança mais forte entre os dois filmes está na proximidade das temáticas. Em Matrix, vemos a busca pelo “escolhido” – aquele que tem o poder supremo. Ainda somos testemunhas de todo o processo de adaptação do possível “The One” à nova vida. Em Akira, vemos que esse poder supremo pode destruir a população mundial se não for devidamente controlado – e não falo de um controle governamental.
É possível encontrar outras referências a Akira como, por exemplo, a situação decadente da sociedade e os movimentos rebeldes que necessitam de uma solução e talvez o “escolhido” seja a resposta. Através do personagem Neo, acompanhamos a jornada de descoberta do poder individual e como lidar com ele para ajudar as pessoas.
Akira é um filme mais do que merecedor de uma edição caprichada de colecionador, pois assim se reconhece e se presta homenagem à influência direta e indireta que essa pequena obra-prima exerceu na cultura mundial do Ocidente e do Oriente. Akira merece esse destaque não apenas por sua importância histórica, mas também pela contribuição que deu ao mundo do cinema ao abordar um tema inusitado em sua época e de maneira tão inovadora.
AKIRA
Katsuhiro Otomo
[Japão, 1988, reeditado 2008]
Disponível em DVD
Trailer Akira