UM CONTO SOFRIDO
Seguro no clima noir, Eastwood consegue bons resultados em A Troca, filme em que Angelina Jolie aposta as fichas para ganhar o Oscar
Por André Azenha
A TROCA
Clint Eastwood [Changeling, EUA, 2008]
Em 1928, num sábado, em Los Angeles, Christine Collins, telefonista que cuidava sozinha do filho pequeno Walter, saiu para trabalhar e deixou o garoto em casa. Ao retornar do serviço, não o encontrou. Desesperada com o desaparecimento, Christine foi à polícia, e pouco tempo depois os oficiais disseram ter resgatado uma criança.
Chamaram a imprensa, e na hora que foi re-encontrar o menino, a mãe afirmou que aquele não era seu filho. Obstinada, ela não se deu por vencida, protestou, enfrentou os desmandos das autoridades da época (a polícia chega a sugerir que ela “teste” a “nova” criança), teve a ajuda de um reverendo, e se tornou uma voz que ajudou a mudar parte das injustiças do período naquele local, e exemplo de determinação.
Uma história assim, dramática, emocionante, teria tudo para se transformar em um filme. E ninguém melhor que Clint Eastwood, nascido na época do ocorrido, no mesmo estado da Califórnia (daí boa parte do interesse do veterano diretor em assumir o projeto), e realizador de belos dramas sensíveis e intensos como Sobre Meninos e Lobos (que também trata da perda de um filho) e Menina de Ouro (vencedor de 4 Oscars, incluindo Filme e Direção), para levá-la ao cinema.
Só que, ironicamente, A Troca, foi, na verdade, um trabalho encomendado pelos estúdios Universal, com quem Clint não trabalhava desde 1975. O diretor seria Ron Howard (O Código da Vinci), que havia comprado o roteiro e acalentou o projeto por algum tempo, mas por causa da agenda lotada, ficou apenas na cadeira de produtor executivo. Clint então assumiu o projeto.
Em parceria com o roteirista J. Michael Straczynski (experiente de inúmeras séries de TV e conhecido pelos fãs dos quadrinhos por sua polêmica passagem no gibi do Homem-Aranha), ele, como de costume, terminou as gravações em pouco tempo (chegando a registrar até oito minutos do longa por dia, índice bem superior à média em Hollywood, que não passa de um minuto) e concebeu um drama clássico, as vezes exagerado, mas que em pouco tempo sensibiliza o espectador.
Para tanto, utilizou-se de uma narrativa limpa, da bela fotografia de Tom Stern, evocando o cinema noir, direção de arte competente e da escalação de bons atores para viverem personagens que facilmente poderiam cair na caricatura, se interpretados por gente menos talentosa. Angelina Jolie (linda, pra variar) novamente se destaca e comprova sua versatilidade, dando grande carga dramática à Christine sem precisar descambar para gestos largos ou gritos histéricos. Vale reparar a forma como ela leva a mão ao rosto par enxugar os olhos. Sutil, simples, e tocante. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro em Atriz/Drama – a vencedora da categoria foi a também merecida Kate Winslet.
Os outros atores também conferem verossimilhança aos seus respectivos papéis. John Malkovich faz o firme reverendo Gustav Briegleb, que ajuda a protagonista na luta contra os atos policiais corruptos, Gattlin Griffith encarna com simpática o pequeno Walter (detalhe pra cena em que ele fala para a mãe sobre a briga que teve no colégio), Jeffrey Donovan causa repulsa na platéia como o incompetente e mau caráter capitão Capt. J.J. Jones (responsável pela “troca” das crianças, que batiza a produção) e Jason Butler Harner transborda insanidade na pele de um serial killer.A Troca poderia estar no mesmo nível de outros trabalhos de Clint Eastwood, não fossem alguns deslizes, como a grande importância dada à trama paralela de um assassino serial. Afinal, por mais que a história do criminoso seja de importância fundamental para a conclusão dos fatos, o filme trata-se da jornada da mãe em busca do filho perdido.
Esse detalhe aliado à sensação de estarmos assistindo vários “finais” (e o diretor parece tentar manipular a plateia para que, assim como ocorre com a mãe, jamais perca a esperança por um final feliz) estica o enredo de forma desnecessária. Pois com pouco mais de uma hora de projeção, o público já terá se envolvido com a causa de Christine e torcido por ela, se indignado com as atitudes da polícia, derramado muitas lágrimas, e estará certo de que acertou ao ocupar as mais de duas horas do seu dia com mais uma bonita obra cinematográfica de Eastwood.
NOTA: 8,0
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