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Foto: Divulgação.

“A Natureza das Coisas Invisíveis”: entre descobertas e despedidas

Interpretação das atrizes mirins embeleza obra tão sensível quanto frágil

“A Natureza das Coisas Invisíveis”: entre descobertas e despedidas
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A Natureza das Coisas Invisíveis
Rafaela Camelo
BRA, 2025. 1h30. Drama. Distribuição: Vitrine Filmes
Com Larissa Mauro e Laura Brandão

A ótima recepção de público e crítica nos festivais dos quais tem participado evidencia: A Natureza das Coisas Invisíveis (2025) toca as pessoas. Depois da passagem pela Generation Kplus do Festival de Berlim, o longa coleciona reconhecimento estrangeiro (melhor roteiro no 9º Santander International Film Festival, talvez o mais expressivo) e nacional. A mais recente conquista em solo brasileiro, há poucos dias, se materializou com o troféu de melhor longa-metragem no 33º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade. O sucesso da produção se assenta em dois elementos muito claros: a sensível perspectiva da direção sobre os temas trabalhados e a naturalidade surpreendente das interpretações das duas jovens atrizes, Serena e Laura Brandão.

Longa de estreia da diretora-roteirista Rafaela Camelo, a obra se descortina um filme de amadurecimento (ou coming of age, para quem preferir a expressão em inglês) rodeado de temáticas existencialistas. De férias, Glória (Brandão) vive a perambular pelo hospital onde a mãe, a enfermeira Antônia (Larissa Mauro), trabalha horas a fio. A relação da criança com os pacientes, íntima e graciosa, revela que a permanência da garota nos corredores e leitos é constante. Ali, um dia, conhece Sônia (Serena), que foi acompanhar a bisavó, socorrida às pressas após cair e bater a cabeça no chão de casa. Nasce fortuitamente a relação de amizade entre as duas crianças, força motriz da narrativa. Logo nos primeiros minutos em que contracenam, o espectador se depara com a sintonia das duas e, mais surpreendente, com a maturidade dramática das pequenas intérpretes. 

Ambas compartilham impressões sobre o mundo dos adultos e como seus responsáveis tentam suavizar tópicos mais sensíveis, essencialmente a morte. O carisma das meninas, aliado a passagens inspiradas do roteiro de Camelo, provoca momentos bem cativantes. Do relato sobre a cirurgia de coração a revelações gradativas que surpreendem o público, o filme mantém o fio condutor da história com eficácia até, infelizmente, perdê-lo a partir da segunda metade. A ruptura espacial, que transporta a narrativa do hospital para um sítio, resulta no tolhimento da jornada das personagens. É perceptível os esforços de direção, montagem e trilha para manter o fôlego, mas a irregularidade dos caminhos tomados pelo roteiro emperram a fluidez com a qual o filme se transmitia ao público. 

Evito adentrar nos detalhes da história para preservar a experiência de leitores que ainda não tenham assistido ao filme. O fato é que A Natureza das Coisas Invisíveis perde o prumo; o brilho da relação afetuosa entre as duas crianças dá lugar a reflexões genealógicas, além de tradições culturais que destoam da proposta narrativa inicial – ainda que haja conexão temática, já que tratam sobre formas de lidar com o luto, as sequências ritualísticas falam mais sobre camadas de personagens secundários, o que causa distanciamento e, até certo ponto, desinteresse. Nosso real interesse, o interesse do espectador, reside na interseção Sônia-Glória; o longa, ao abrir abas para outras dinâmicas, acaba por desvanecer o brilho de sua joia mais bonita. 

Ao longo de toda a obra, é notável o cuidado da direção de arte assinada por Sarah Noda. Entre detalhes cênicos que me comoveram, as mechas azuis nos cabelos de filha, mãe e bisavó reforçam os laços familiares daquelas mulheres. A cor azul também é belamente usada na composição da casa do sítio, nas paredes e em pontos da mobília. O figurino das personagens também assessora sutilmente a narrativa, como a blusa cheia de coraçõezinhos que cobre o tórax e a cicatriz do transplante cardíaco de Glória. Afeito ao onírico, o filme adiciona traços de realismo fantástico que são perfeitamente coerentes ao imaginário infantil e acerta ao deixar tais elementos livres para interpretações subjetivas. 

Aquecido na ternura da infância, A Natureza das Coisas Invisíveis encontra seu melhor rumo quando aproxima os olhos do espectador aos de Glória e Sônia, duas garotas já tão impactadas pela impermanência da vida. Mesmo irregular, é um filme de inegável beleza; essa beleza exalada das miudezas do cotidiano, dos pequenos milagres que acontecem sem aviso e, por vezes, não somos capazes de enxergar. 

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