A História da Minha Mulher
Ildikó Enyedi
Alemanha, França, Hungria e Itália, 2021, 2h49. Distribuição: Pandora Filmes
Com Léa Seydoux, Gijs Naber e Louis Garrel
Em cartaz nos cinemas
Em algum momento, numa Paris entreguerras, o capitão de um navio cargueiro aporta em terra firme e se reúne em um café com um amigo. Lá, ele embarca em uma aposta inesperada: irá se casar com a primeira mulher que adentrar o estabelecimento. É essa premissa simples e despretensiosa que conduz a narrativa de A História da Minha Mulher, filme mais recente da diretora húngara Ildikó Enyedi (Corpo e Alma), concorrente à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2021.
O protagonista, chamado de Capitão Jakob Störr (Gijs Naber), logo testemunha a presença da jovem Lizzy (Léa Seydoux) no salão e ela aceita a proposta. A partir disso, ao longo de quase três extenuantes horas, o longa-metragem, adaptado do livro The Story Of My Wife: The Reminiscences Of Captain Störr (1946), do também húngaro Milán Füst, tem sua estrutura narrativa organizada em sete capítulos, que privilegiam o ponto de vista do capitão sobre o casamento em detrimento da perspectiva da própria esposa.
Sorrateira e dona de si, Lizzy se transforma em objeto de fascínio e desconfiança para o marido. Fascínio porque sua vida e rotina ainda retém algum mistério aos olhos de Störr e suas longas ausências. Mas se o mistério encanta, na mesma medida levanta desconfianças e se transforma em fonte de incertezas quanto à fidelidade da mulher na mentalidade engessada e patriarcal do protagonista. Acusada de traição sem que haja qualquer evidência concreta, resta a Lizzy a condenação por seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.
Quase como o personagem machadiano, se assim é possível dizer, Jakob Störr é mais um homem amargurado, que inconformado por não ter controle sob os passos da esposa, projeta suas inseguranças na mulher de personalidade impenetrável e espírito livre. Por isso, basta a chegada de uma segunda figura masculina para o ciúmes se acentuar, o que acontece quando surge Dedin (Louis Garrel) — num primeiro momento figura central para entendermos a relação de Jakob e Lizzy, mas que não tarda a ser abandonado no meio do caminho pelo roteiro.
Assim, enquanto a primeira metade do longa trilha um caminho sólido, à medida em que a narrativa avança na segunda parte, o filme se perde e sofre para encontrar o tom que quer seguir, sem nunca mergulhar a fundo o suficiente nos personagens e nas relações que eles estabelecem. Ideias introduzidas nos primeiros minutos, como a alegoria do casamento enquanto cura para dor de estômago do marinheiro, são esquecidas e nunca mais mencionadas.
Mas ainda assim, A História da Minha Mulher sobressalta os olhos, sobretudo por uma deslumbrante fotografia e afinado elenco (com destaque para o holandês Gijs Naber e a francesa Léa Seydoux), que extrai algum sentido e familiaridade dos seus personagens, muito além do que o roteiro adaptado se mostra capaz.