A Filha do Palhaço
Pedro Diógenes
BRA, 2022. Drama, 1h44. Distribuição: Embaúba Filmes
Com Demick Lopes, Liz Sutter e Jesuíta Barbosa
Existe alguma poesia no fracasso? O filme A Filha do Palhaço, de Pedro Diógenes, quer nos demonstrar que sim ao contar a história de uma transformista caricata que de repente recebe a sua filha de 14 anos para passar uns dias em sua casa. Com uma trama finamente urdida, Diógenes extrai de uma situação aparentemente banal uma delicada tessitura de sentimentos cujo resultado é uma poética reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida com seus erros e acertos e como a fatalidade dos acontecimentos, além do nosso controle, impactam nossas existências. E melhor: consegue nos fazer pensar sobre a vida árdua de quem tem os palcos como meio de sobrevivência e onde o talento e a entrega total à arte de interpretar nem sempre são sinônimos de grande sucesso e glamour.
O filme já circulou em diversos festivais desde a sessão de estreia no Cine Ceará e conquistou os prêmios de Melhor Filme na Mostra de Cinema do Gostoso e Prêmio do Público na Mostra de Tiradentes. Ele é inspirado na personagem de humor cearense Raimundinha que era vivida pelo humorista Paulo Diógenes, já falecido. Nas suas apresentações, ao final do espetáculo, o ator tirava a maquiagem e a fantasia ao som da música Sonhos de um Palhaço.
Na adaptação dessa história real, Pedro Diógenes deu vida ao personagem Silvanelly e entregou ao ator Demick Lopes a tarefa de levá-lo às telas. Uma escolha mais do que acertada. Lopes, que pode ser visto ao lado de Marco Nanini no excelente Greta (2019), criou uma personagem que nos toca pela forma como ele vai nos revelando os dilemas de sua vida de artista de shows em bares e festas, cuja rotina se transforma com o aparecimento de Joana. A convivência de Renato/Silvanelly com a filha que não conhece bem traz à tona sentimentos os quais ele preferia não mexer, mas cujos gatilhos vão operar mudanças não só nele, mas também na garota.
Quem faz o papel de Joana é a atriz estreante Liz Sutter. Apesar da única experiência cênica dela até então ter sido apenas o teatro do colégio, a garota se sai muito bem como condutora da narrativa de A Filha do Palhaço. Liz e Demick, aos poucos, no desenvolvimento de sua relação, estabelecem com muita naturalidade uma interação dramática convincente e comovente. Enquanto Renato, embora esteja enfrentando uma crise íntima, tem que subir no palco para fazer as pessoas rirem, Joana descobre um mundo completamente novo para ela.
Pedro Diógenes conta que o filme foi construído com uma intensa participação de toda a equipe e de muita troca e escuta na composição da dupla de protagonistas formada por um homem com conflitos de paternidade e uma adolescente cheia de questões sobre o pai ausente. Segundo ele esse processo atinge também a elaboração estética da obra, pois “as transformações que pai e filha passam contaminam os outros elementos do filme e, de forma sutil, tudo se transforma. A influência da filha no pai, e do pai na filha, são vistas e sentidas nas roupas, nos cabelos, na maquiagem, no cenário, na luz e nos gestos”.
Percebe-se na trama a intenção do diretor em focar na diversidade das formações familiares contemporâneas com a personagem Joana espelhando a necessidade de se superar medos e preconceitos. Para o diretor trata-se de uma obra sobre transformação, mudança, busca e aceitação. Há também uma clara homenagem aos artistas não apenas aos que trabalham com humor no Ceará, mas os atores teatrais de uma maneira geral que se concretiza por meio do personagem Marlon, vivida por Jesuíta Barbosa, cujos diálogos com Renato evocam a frágil fronteira entre a vida e a arte e o quanto é relativo o sucesso e o fracasso nos palcos ou no cenário da vida.
Observamos no filme de Pedro Diógenes até um certo esquematismo no desenvolvimento dramatúrgico na parte final da obra. Ele, contudo, se coaduna com o que está sendo contado e o roteiro insere surpresas que ressignificam o que pareciam soluções óbvias. A entrada de A Filha do Palhaço no circuito comercial é, portanto, muito bem-vinda. Mostra a potencialidade de filmes realizados fora do eixo Rio-São Paulo com plenas condições de trazer ao cinema um público interessado por boas histórias e dramas bem construídos capaz de sensibilizá-lo.
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