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Frame da série 'extremistas.br': o fascismo por dentro. (Reprodução).

A busca pela distopia de direita em Extremistas.br

Série disponível no Globoplay acompanha os agentes que instalaram e incentivam a radicalização política no país

Em uma rápida pesquisa na internet, é possível entender que segundo o Oxford Languages, um dos significados da palavra “distopia” é “lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação”. Já tornou-se corriqueira a aplicação de um cenário distópico nas narrativas ficcionais em produtos audiovisuais (filmes, séries, etc) como um todo. Sociedades que vivem em um sistema autoritário e personagens que lutam contra isso fazem parte de um roteiro já conhecido pelo público. No caso da série documental Extremistas.br, disponível no Globoplay, divergências destas noções anteriores surgem de forma muito evidente. Primeiro, pela narrativa não se tratar de uma ficção. E segundo, porque através do acompanhamento das ações das figuras protagonistas, neste caso, os extremistas, a distopia não é algo a ser combatido, pelo contrário, parece algo a ser alcançado. 

Após anos de chumbo sob os tantos fardos que somente uma ditadura militar seria capaz de acarretar ao povo de uma nação, a custosa redemocratização e a construção de nova constituição para o país, parecemos regredir. Ou pelo menos, parte da sociedade regride. Os ataques à democracia não estão concretizados exclusivamente no criminoso vandalismo contra o patrimônio público das edificações dos Três Poderes que aconteceu no domingo, dia 8 de janeiro de 2023, ironicamente, uma semana após a verdadeira festa da democracia na posse presidencial. Essa toada golpista regida pela extrema direita acomete o país antes mesmo dos agrupamentos ilusórios em frente aos quartéis após a eleição – legítima – do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

É neste campo que vive a série, analisando os fatos mais recentes e investigando a raiz, ou as raízes da radicalização (sinônimo de Bolsonarismo), visto que mais de um personagem ou instituições têm responsabilidades pelo momento atual e caótico do Brasil. É importante destacar de antemão, que diferentemente de outros docs como Quebrando Mitos, Bolsonaro é uma das peças, porém o direcionamento é mais voltado a seus peões, ditos apoiadores. A série constrói a narrativa essencialmente  a partir dos fragmentos e pontos comuns colhidos em diferentes momentos, muitos deles de altíssimo risco. A produção se infiltrou e se deslocou em diferentes locais dos extremistas, em um trabalho impressionante de investigação. A direção do documentário é de Caio Cavechini, com roteiro do mesmo junto a Carol Pires e Carlos Juliano Barros. A série trará novos episódios todas as quartas no Globoplay, tendo em sua estreia já liberado os três iniciais.

“Se você não tiver acompanhado o comício você vai apanhar. Porque o pessoal hoje está para guerra viu”, diz uma bolsonarista, ganhando destaque nos primeiros momentos do episódio um, “Indignação”. Guerra é um termo muito utilizado pelos extremistas na série. A guerra é o cerne, o gás e o motivo de estarem onde estão, de fazerem o que fazem. Os autodeclarados patriotas erguem então uma batalha contra a própria constituição, contra o sistema eleitoral, contra os poderes que regem a nação e questionam a validação do jogo democrático por não aceitarem o resultado das urnas. A regressão é tamanha que a história é apagada e pedidos de intervenção militar são feitos de peito aberto.

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Série ajuda a compreender o extremismo que levou à invasão da sede dos Três Poderes. (Divulgação).

Em tela, a sensação sufocante é inevitável. Os tantos memes da internet sobre os bolsonaristas viverem num mundo paralelo se chocam com o retrato cru de uma crença de que todas as ameaças são muito reais. A esquerda, o comunismo, o ataque ao que consideram ser família, a perda da liberdade. Através de uma câmera em suma observadora, com alguns momentos pontuais em que uma narradora contextualiza, no doc, o que é apresentado é que os extremistas têm uma base para essa crença. Uma base forjada, criada e orquestrada por agentes que inflamam e incentivam o golpismo.

No primeiro capítulo são apresentados a figura de Roberto Jefferson, o episódio com Carla Zambelli, e o ativismo de Rosângela Peçanha. Os dois primeiros, potentes incentivadores da política armamentista tão defendida pelo governo Bolsonaro. Ao longo dos dois outros episódios lançados, “Sitiados” e “Armados, em nome de Deus”, resultados sangrentos dessa liberação desenfreada de armas de fogo nas mãos de “cidadãos” revelam o lado mal e central da radicalização: a violência. E consequentemente, a morte. Em um Brasil de tamanha desigualdade social, é muito explícito quem foi e é favorecido pela política armamentista ainda vigente. O cidadão armado é de classe média/alta, enquanto o cidadão pobre, não tem condições de se armar. E se tivesse, cairia na caixa da criminalidade, já que arma na mão de pobre é sinal de crime. Na de rico, “defesa”. 

Figuras como Paulo Bilynskyj também surgem como fomentadores. Neste caso específico, unindo atributos moralmente antagônicos mas que funcionam no sistema bolsonarista: armas e religião (especificamente a cristã/evangélica/protestante). A partir da história de anônimos e pessoas públicas como o pastor Nilson Gomes, contribuintes subversivos a este cenário, a igreja se prova novamente como instrumento da barbárie bolsonarista no Brasil, manipulando e próprio se corrompendo em sua imagem “afável e justa”.

No combate da mentira com a verdade, o doc investiga o trabalho de um operador de marketing político contratado para a produção das “fakenews” e de campanhas de ataque a adversários. Assim como traz luz a personalidades do outro lado da moeda, pessoas que vão de encontro às ações da extrema direita, em especial no primeiro episódio com o deputado André Janones. 

A prévia dos próximos capítulos da série adiantam um cenário ainda mais hostil, de protestos violentos e figuras fascistas levantadas em prol da desordem. A narrativa do doc se empenha em contextualizar o cenário brasileiro ao mundial, e não deixa de pontuar, que a radicalização se assemelha e muito às ditaduras que tanto são criticadas pelos bolsonaristas. É lamentável assistir tamanha putrefação da consciência social e política de parte da sociedade. Extremistas.br vem para provar que o bolsonarismo está completamente instalado na nação. E vem também para ligar os alertas de uma democracia que, mais do que nunca, precisa ser defendida. Quem está contra o sistema democrático tem dinheiro, tem armas, tem poder e está disposto a transformar o Brasil em uma distopia. Isso não é ficção.