RECIFE EXPERIMENTAL E INSTRUMENTAL
Com os pés no chão, grupo faz estreia madura e de alto nível
Por Marcelo Santos Costa
Colaboração para a Revista O Grito!, em São Paulo
O ano era 1991 e Chico Science recitava o manifesto do Manguebeat em território nacional. O movimento nascido em Recife teve por excelência a divisão de águas do cenário musical. Quase vinte anos se passaram, e a capital pernambucana continua servindo de termômetro da música pop, ditando regras e comportamentos que devem ser seguidos. Desta vez, o maracatu atômico deu lugar à música instrumental, que tem no gênero do pós-rock uma das vertentes mais sofisticadas quando o assunto é experimentação.
A Banda de Joseph Tourton foi criada por quatro rapazes recém-saídos da adolescência. No ano de 2008 tentavam a sorte no festival No Ar Coquetel Molotov, tocando para uma plateia de mente aberta, composta em sua maioria por músicos e jornalistas.
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O nome incomum atraía curiosos, dentre eles Felipe S., vocalista da banda Mombojó. Ele perdeu o show, mas já conhecia a banda através do MySpace, e no backstage se ofereceu para produzir o disco dos garotos.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Turnês pelo Brasil e a presença em palcos de diversos festivais de música fizeram os rapazes circular, criar bagagem e fazer contatos. Tratados como músicos de respeito pela imprensa nacional e apontados como um dos pilares da nova geração, amadureceram. O disco de estreia reflete muito bem isso.
Do primeiro ao último acorde, o disco exalta qualidade. É praticamente impossível apontar falhas neste primeiro álbum, que, quanto mais se ouve, melhor fica. As músicas trabalharam em níveis que vão da orquestração de diversos instrumentos, à captação de acordes pesados de guitarra. A produção do disco não escondeu as diversas influências do grupo.
A impressionante faixa de abertura “16 minutos” mostra uma versatilidade incomum, onde Rafael Gadelha comanda o ritmo com seu baixo, e passa a bola para Gabriel Izidoro, que assume a liderança alternando de maneira impecável entre a guitarra e flauta.
Quando uma música segue a risca a cartilha do jazz e avant-gardé, outra cria momentos de pura intensidade que remetem ao melhor hardcore que era Dischord produziu. O disco de Joseph Tourton é assim, uma salada de referências sem perder a identidade.
O quarteto parece estar à frente de seu tempo, mostrando um amadurecimento e experimentações pouco condizentes com a idade dos integrantes. Os dedilhados da guitarra e baixo se comunicam em níveis sensoriais ao sopro de flautas, escaletas e saxes, que, ao lado da bateria e percussão, compõem a identidade musical da banda. Entre os inúmeros instrumentos, a flauta é o elemento mais importante neste panorama, remetendo as raízes pernambucanas do grupo, que permanecem fieis em meio a geleia sonora.
Não poderia deixar de citar as participações especiais de músicos como o pianista Vitor Araújo, o saxofonista Esdras Nogueira (Móveis Coloniais de Acajú) e Guilherme Mendonça, o Guizado, deixando o som ainda mais polivalente – sendo este último, participante de um dos pontos mais altos do disco, na faixa “100 metros?”. Uma das melhores estreias deste ano e, com certeza, um dos principais discos.
A BANDA DE JOSEPH TOURTON
A Banda de Joseph Tourton
[Coquetel Molotov Discos, 2010]
NOTA: 9,0
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