Assistindo a filmes dramáticos ou lendo histórias fantásticas, o espectador se depara com narrativas completamente opostas da sua realidade. Desde crianças, os contos de fadas contam sobre animais falantes, príncipes e princesas, magia e seres mitológicos. Os maiores artistas parecem já terem partido há anos e suas obras, retratando momentos históricos que não podem ser revividos, cenários impossíveis de serem visitados. É como se a arte fosse um ser distante de quem se escuta, mas que não pode jamais ser tocado, que não está presente ao seu lado, não fala sobre alguém como você, não conta a sua história.
Rômulo Jackson quebra com essa distância através de suas pinturas. O jovem recifense de 21 anos, pinta o que é comum para si mesmo e para gerações inteiras de homens, mulheres, meninos e meninas que assim como ele, vivenciam o cotidiano do Recife.
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Com raízes na arte desde cedo, Rômulo Jackson se recorda das cartas que escrevia para sua mãe quando criança em dias especiais, sempre acompanhadas de desenhos. Com o zelo da mãe em guardar todas aquelas recordações, ele constantemente revisitava seus desenhos e lembrava do amor em fazer arte.
“Eu sempre tive muita afinidade com a arte e em me expressar dessa forma, então sempre procurei me entrosar nisso em qualquer oportunidade que eu tivesse”, diz Jackson em entrevista à Revista O Grito!. “Na minha escola, por exemplo, tinha uma aula de grafitagem e eu fui para aprender a fazer desenhos mais técnicos e a mexer com tinta. Qualquer coisa que eu podia entregar de trabalho que envolvesse a pintura e arte, eu dava um jeito de trazer isso para a minha rotina”, disse.
Nas aulas de grafitagem oferecidas no ensino fundamental, Rômulo teve o primeiro contato com as tintas e se apaixonou perdidamente pelo novo material, já que antes sempre utilizava os lápis de cores em seus desenhos.
Quando chegou nos anos finais da escola, ainda buscando trazer a pintura para o seu dia a dia educacional, o artista notava a falta de práticas artísticas no sistema de ensino brasileiro.
“No ensino formal a gente não tem a prática de arte, é muito mais teoria, então nesse ensino a gente não consegue desenvolver muito bem essa afinidade com as práticas de arte, não conhecemos argila, gravuras, um mundo de possibilidades que nós não temos acesso na escola”.
Para driblar essa carência, Jackson aproveitava matérias como história, história da arte e literatura para explorar sua veia artística produzindo pinturas, desenhos e variadas formas de produção que dialogassem com os assuntos acadêmicos.
Na hora de prestar o vestibular e decidir que curso seguir, ele não tinha dúvidas: “minha primeira opção era artes visuais e a segunda também. Não tinha outra coisa, eu li a grade curricular e era a única possibilidade” explicou.
Com as suas pinturas, que representam objetos, alimentos e cenários comuns da vida na cidade, com pinceladas que despertam memórias no artista e nos admiradores de sua arte. Pintando a natureza morta, Rômulo faz uma cidade de lembranças pessoais viver em suas telas.
Em uma nova fase, fora da escola e agora cursando Artes Visuais na UFPE, Jackson afirmou que a sua arte passou por uma grande transformação. Foi durante a pandemia da Covid-19 e já no curso, que ele começou a utilizar o Instagram como ferramenta para levar suas pinturas para cada vez mais pessoas, ainda que sem intenção.
“Eu comecei a postar as minhas pinturas e a galera começou a se identificar. A minha intenção com as primeiras produções com a natureza morta eram só questões estéticas mesmo, de olhar e poder reproduzir, eu não pensava ainda em transformar aquilo em poética, em identidade. Mas quando eu comecei a postar, a recepção do público foi bem diferente do que eu pensava”, lembra.
“As pessoas comentavam nas postagens sobre memórias afetivas, sobre nostalgia, e eu pensei ‘caramba, tem alguma coisa aqui que eu posso expandir, pesquisar e transformar em uma poética’. por que não transformar um estilo de pintura que era justamente feito para melhorar a técnica e transformar isso em uma poética no sentido de representar um tempo, um momento, uma classe social?”, completou.
Passando a visitar as suas próprias recordações, Rômulo se viu construindo um trabalho cada vez mais completo e em ressonância consigo mesmo. Através da internalização de sentimentos, sensações e memórias, o artista foi capaz de externalizar tudo aquilo em forma de arte. Uma arte que não pertence aos outros, mas sim a ele mesmo, utilizando os quatro sentidos e tornando mágico, o comum.
“Meu contato com a arte se deu através dos meus olhos, de ter essa sensibilidade no olhar de ver as coisas do cotidiano e traduzir isso em arte. Minhas pinturas às vezes tem cheiro, som, gosto… eu sempre trago essa questão sensorial e eu fico muito satisfeito pelo o que eu tenho feito”.
As pinturas de Jackson falam com um público desacostumado a, conscientemente, ter um contato direto com as manifestações artísticas e através das telas pintadas por ele, esse público, majoritariamente periférico, se sente representado, visto.
O artista afirmou que as pessoas se identificam com o que está próximo e essa proximidade ajuda a “despertar um gatilho no sentido de ver aquela pintura e sentir, ver uma arte e começar a sentir alguma coisa diferente. Porque é muito raro que isso aconteça”.
“Quando um trabalho espontaneamente faz com que alguém traduza a arte e leve para uma experiência que teve, isso é muito massa e eu fico muito contente que isso tenha acontecido”, disse.
Para o artista, é preciso quebrar o estigma de que apenas as pessoas “intelectuais” e “estudadas” possam ter um acesso mais direto à arte e saber interpretá-las, estudá-las. Para ele, até mesmo o artista é visto como se fosse uma pessoa genial e fora do alcance dos demais e tudo isso precisa ser desmistificado cada vez mais.
A arte deve ser sentida e com a arte de Jackson, um grupo da sociedade muitas vezes ignorado, é lembrado, são convidadas a se aproximarem de arte, adentrarem o cenário da arte, falar sobre arte, pensar e traduzir arte.
“Quando eu faço esse tipo de trabalho que é muito popular com uma técnica que é muito clássica, como é a natureza morta, eu quebro uma barreira e isso talvez cause um pouco de ruído nessas questões. Eu misturo isso e tento fazer com que as pessoas possam se identificar com esse tipo de pintura e possam sentir a arte na potência que ela possui, na potência que ela é”.
O artista acentua que a arte não precisa ser difícil, inacessível e de complicada tradução e interpretação. “O que está próximo, perto, também é uma fonte de inspiração”, pontua.
Expostas nas redes sociais, as pinturas de Rômulo se comunicam diretamente com os sentimentos e memórias sensoriais da sua vida e de tantos mais. Com suas telas sobre o cotidiano, ele mostra como a arte não precisa estar distante, elas podem e estão, ao lado de todos.
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