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Bird
Andrea Arnold
EUA, 2024. Drama. 1h59
Com Barry Keoghan, Nykiya Adams
Recorrer à fantasia – ou a algo no campo do divino – para suportar as dores e dificuldades do cotidiano. Quantos de nós não buscamos esse tipo de amparo? Localizado na intersecção entre fábula ficcional e cinema com estética quase documental, Bird (2024) é um sensível olhar sobre o turbulento período da adolescência – com uma abordagem, inclusive, inovadora para o desgastado subgênero coming-of-age.
Dirigida pela britânica Andrea Arnold, a obra integrou a seleção principal do Festival de Cannes deste ano e teve sua primeira sessão no Festival do Rio neste domingo (6), no Cine Odeon. O enredo acompanha a dura realidade de Bailey (Nykiya Adams) que, aos 12 anos, divide apartamento com seu meio-irmão e seu problemático pai (Barry Keoghan), envolvido com tráfico e prestes a se casar com a namorada com quem se relaciona há apenas três meses. Em determinado dia, a jovem conhece Bird (Franz Rogowski), simpático e exótico sujeito à procura dos pais biológicos.
Cineasta que costumeiramente utiliza animais em suas narrativas (seu último longa, o documentário Cow, de 2021, retrata a vida de uma vaca leiteira chamada Luma), Andrea Arnold insere, desta vez, vasta fauna de seres que ajudam a compor o quadro de solidão, desamparo e vontade de libertar-se da protagonista. Acho lindo o raccord que passa do plano-detalhe de uma borboleta para a personagem de Bailey se fechando em um saco de dormir (seu casulo). Os próprios nomes dos personagens reforçam a ideia de animalismo contrastante: enquanto o personagem Bird (pássaro) representa a possibilidade de emancipação à protagonista, não à toa o pai se chama Bug (besouro, percevejo).
Quase sempre com planos bem movimentados, à câmera na mão, a obra se enaltece por ser filmada em 16 mm, cuja textura e fotografia propiciam cenas visualmente deslumbrantes. A diretora intercala às imagens em película outras digitais, captadas pelo celular da protagonista, decisão narrativamente eficiente e que reforça o traço de realismo fantástico do longa-metragem.
Apesar do brilho da jovem atriz Nykiya Adams, a figura emblemática do filme é o Bird de Franz Rogowski. Há uma cena no topo de um prédio que muito me recordou a obra-prima Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders, e auxilia na compreensão de que, talvez, aquele personagem seja uma espécie de anjo da guarda da adolescente. O desfecho fabular pode afastar espectadores mais pés no chão: particularmente, eu adorei e prefiro quando o filme deixa aberto à interpretação, ao invés de tentar provar se Bird é ou não uma pessoa real.
O filme é ainda favorecido por uma trilha sonora pulsante, com ótimas músicas (de Fontaines DC a Coldplay). Bird mostra que, em meio à crueza da existência, mesmo nos dias mais enlameados, é possível ver o sol brilhar e ter esperança no futuro. Não, não é otimismo coach; é apenas enxergar a vida como uma estrada com quedas, curvas e genuínos momentos de alegria.
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