Ela é humorista, atriz e repórter que já conta com vários anos de carreira dentro e fora da TV. Essa é Nany People, uma das maiores referências entre artistas trans no Brasil e que consolidou-se como atriz de teatro, atuando em diversas peças. Também participou de programas de televisão e de reality show. A artista retorna a Pernambuco esta semana para falar de amor, ou melhor, falar sobre os desafios de manter a chama da paixão acesa, diante da rotina, do passar dos anos, das diferenças.
Natural de Minas Gerais, foi em São Paulo que Nany People começou a estudar teatro e alcançou o estrelato fazendo da própria personalidade irreverente, um show. A artista se orgulha da trajetória que construiu como mulher trans e artista, transitando nos palcos e na televisão como atriz e comediante. “A vida sem amor, sem humor, não tem sabor, não tem como”, afirma.
Ao longo da sua carreira, integrou o elenco de diversos programas como Goulart de Andrade, Hebe, Xuxa Meneghel, Flash, A Praça é Nossa, Cante Se Puder, entre outros. Além de ter construído uma extensa carreira no Teatro, Rádio e Cinema, Nany People estreou na teledramaturgia da Rede Globo em O Sétimo Guardião, sua primeira novela, além de fazer as divertidas personagens Lurdes e Madame Lú, em Quando Mais Vida Melhor. Ainda na Globo, participou do programa Popstar, em que mostrou seu talento também como cantora, apresentando outra faceta ao grande público. Participa atualmente do júri do Caldeirola no Caldeirão com Mion, vai estrear a nova temporada do humorístico Vai que Cola e apresentou recentemente o MesaCast BBB.
Como Salvar um Casamento tem Nany em toda a sua criatividade, sabedoria e irreverência. Em junho passado, ela já apresentou esse espetáculo no Teatro Santa Isabel, no Recife, e agora leva a apresentação para a cidade do Caruaru, no Agreste de Pernambuco, no sábado (13). A peça estreou há 17 anos e, na época, não era um monólogo e ainda tinha um viés muito heteronormativo.
Conforme os anos foram passando, Nany sentiu a necessidade de atualizar o texto para os dias atuais, levando em conta os novos formatos de casais e as inúmeras formas de demonstrar afeto. “O texto hoje está mais democrático que antes, quando a gente montou, há 17 anos atrás, era muito heteronormativo. Agora ele está totalmente fluído. Mas, afinal, como salvar o casamento? Para saber a resposta, Nany People lembra que é preciso ver o espetáculo.
Já no domingo (14), a artista chega ao Recife com o solo musical Sob Medida – Nany canta Fafá, homenageando o repertório de uma das suas maiores inspirações, Fafá de Belém. O show será apresentado pela primeira vez na capital pernambucana, no Cine Teatro do Parque, no bairro da Boa Vista, e servem de inspiração para Nany contar sua própria história, com doses de humor, mas também de muita emoção.
Com quase 50 anos de carreira, Nany tem cinco espetáculos na manga. Em entrevista à Revista O Grito!, a artista abriu-se e falou sobre detalhes do passado, relacionamento com a família, carreira e muito mais. Confira:
Nany, você esteve recentemente no Recife e agora volta em dose dupla. Estive na sua última passagem aqui na capital pernambucana e você foi ovacionada pelo público. Como Salvar um Casamento? Há como o humor salvar a relação dos casais?
Foi um presente estar em Recife, realmente a plateia foi maravilhosa comigo, tanto que quis voltar urgentemente. É possível sim salvar um casamento, porque o teatro, além de entretenimento, informação, marcou uma época, dá uma coisa que os gregos inventaram, chamada catarse. A catarse é aquilo que se vê em cena e fala, isso acontece comigo. Então, como se a pessoa estivesse se auto analisando, vendo a situação que acontece com ela mesma, oficialmente. As relações são recorrentes, porque relacionamento é uma coisa que vai acabar nunca. Tanto que deixo bem claro que o texto hoje está mais democrático do que antes. Quando montamos, há 17 anos atrás, era muito heteronormativo. Agora ele está totalmente fluído: não interessa ser homem com homem, mulher com mulher, paca com tatu. Juntou dois seres,
juntou duas criaturas, tudo isso é casamento. Então, com certeza, no teatro, as pessoas se autoanalisam e se auto redirecionam.
Qual a expectativa para esse espetáculo em Caruaru e o outro no Recife com o repertório da Fafá de Belém?
Estou viajando o Brasil com cinco espetáculos, na verdade. O que vou fazer aí, Sob Medida – Nany canta Fafá e Como salvar o casamento, são apenas dois da cartilha toda. Tenho ainda Tsunani, Então… Deu No que Deu, e o Nany é Pop também. Então, na verdade, é maravilhoso poder ter essas cartas na manga, porque a gente mostra uma faceta em cada lugar, e pode voltar no mesmo lugar com outro espetáculo, tanto que o que estou fazendo em Recife.
Fui fazendo um espetáculo Sob Medida – Nany canta Fafá e agora vou fazer Como salvar um Casamento. E na outra cidade, ao contrário também. Estou muito feliz de estar podendo fazer isso. Caruaru já estive duas vezes fazendo Tsunani. Eu lembro de lá, porque fiquei muito encantada com a cidade.
Como você define e está organizado o espetáculo?
Tenho cinco musas da minha vida: mamãe, Hebe Camargo, Rogéria, Lília Cabral e Fafá de Belém. A Fafá, como todas as outras, me pegou como incentivo para lutar pelas coisas que eu quis, que acredito, até porque essas mulheres nas suas carreiras foram muito amazonas, donas do seu próprio galope. Quando quis fazer espetáculo homenageando a Fafá de Belém, é porque as músicas dela sempre disseram muito respeito a mim. A Fafá sempre foi uma cantora
popular que cantou amor, seja em qualquer estado, de dor de cotovelo, a paixão vociferada, a paixão passageira, a procura de uma paixão e assim por diante…
Então, o primeiro problema foi a gente conseguir uma sequência de músicas que encaixasse tudo isso. Escolhi, no primeiro momento, 20 músicas. O show ia ficar muito longo, a gente interpretou pela metade. E todas as músicas passaram pelo crivo e pela aprovação dela. Foi composta uma música especialmente para isso. E, claro, que nessa música canto e conto a
história. Da música na minha vida, na vida das pessoas, como é que a canção fala sobre relações, sobre amor, paixão, sobre a gente declarar amor com o meu homem. Quando conto o meu homem, as pessoas viajam juntos. Foi assim que foi o final de um amor também e todas as outras. A música tem essa magia, marca o momento da vida da gente. Fui fazendo
músicas que foram marcando episódios da minha vida.
Desde quando o humor faz parte da sua vida?
Humor faz parte da minha vida desde que nasci. Acho que as pessoas têm duas opções na vida: ou é solar ou é soturna. Acho que escolhi o humor até por sobrevivência. Todas as vezes que a vida se mostrou muito caótica para mim, acho que escolhi o humor até por sobrevivência. Então, desde qualquer situação, o humor sempre fez parte da minha existência. A vida sem amor, sem
humor, não tem sabor, não tem como. O dramaturgo alemão Bertold Brecht afirmava que qualquer discurso para ser pertinente tem que ser bem humorado. Você só vai memorizar a matéria de escola do professor de vestidos. Então, o humor, além de libertador, é medicinal.
Qual sua avaliação sobre o humor no Brasil atualmente?
O humor vai ter sempre amor. Com todas as linhas correntes e tentativas de policiamento, de politicamente correto ou incorreto, o humor sempre vai salvar, porque acontece quando tem uma ruptura. Então, quando tem uma quebra, as pessoas riem, não tem como, morde-se com a ruptura. E por drástica que seja, a pessoa quando cai, por pior que seja o tom, alguém
sempre vai rir. Porque é o que rompe uma sequência lógica, por isso. O humor tem isso, sai do convencional. Então, o Brasil está com toda essa corrente de possibilidades, viabilidades, dificuldades.
Fala-se muito hoje em dia da dificuldade de todo mundo ter uma ascensão ao
lugar ao sol. Isso sempre existiu. Acho que quando, antigamente, era mais ainda. Antigamente, a gente não tinha tanta liberdade, não era tão democrático o lugar ao sol para a gente. Acredito nisso, a minha geração, sobretudo, foi assim, de uma profissão, por exemplo, que na minha região nem existe, no sul de Minas. Ousei para São Paulo, para cidade grande, para viver
de teatro. A cidade onde fui criada antes de Poços de Caldas não tem nem teatro, nunca teve. Tenho amigos de infância que vão morrer sem ver teatro. Então, como é que seria o humor no Brasil? É isso: essa corda bamba de sombrinha.
Quais os principais desafios para o humor atualmente?
O desafio do humor atualmente é a gente tentar fazer humor, porque está tudo tão blasé, esse excesso de informação que as pessoas vão ter, ninguém assimila a informação. Está difícil fazer humor, as pessoas vão ter referência cultural para entender uma piada que você faz. Falo isso muito da minha geração 50+: você cita uma situação, o pessoal começa a rir porque lembra
a situação que viveu. Devido a essa gama de informações que a novas gerações têm, não conseguem assimilar as informações. A pessoa vai contar a história e fala assim: “ah, você viu aquela notícia daquele cara, daquele negócio?” Quer dizer, isso é para tudo. Como não existe assimilação, não tem como fazer humor com situações de coisas que as pessoas não sequer sabem que se está falando. Acho que é mais difícil fazer humor que as pessoas
tenham referência do que você está fazendo e falando.
Como é chegar 2024 celebrando 50 anos de carreira?
Na verdade, vou chegar em 2025 celebrando 50 anos de carreira. Este ano, faço 49 anos de carreira e 39 anos de São Paulo. Em 2025, a grande festa vai ser o ano que vem. Faço o ano que vem 60 de idade, 50 de palco e 40 de São Paulo e 30 de TV. Me sinto uma vitoriosa porque me dediquei a uma profissão, um ofício que me abraçou, me acolheu e me possibilitou. Não tive
que entrar numa carreira e optar por outra até por sobrevivência não. Vivo em São Paulo há 20 anos para estudar teatro. Fiz teatro desde os dez anos em Poço de Caldas. E fiz o teatro minha profissão de fêmea e meu ganha-pão.
Por isso que viajo tanto, acho também, porque adoro o que faço. Tenho cinco trabalhos simultâneos. Lancei cinco filmes em dois anos e fiz duas novelas. Atuei em três séries. Na Netflix, ganhei um prêmio, e foi logo que eu fiz. Estou com cinco espetáculos viajando. Você dá uma entrevista para a pessoa e ela fala assim: “O que mais você fez? Qual outro projeto você pensa fazer? Acho que eu pretendo engravidar, querida, porque não sei mais o que eu vou fazer na minha vida. Adoro fazer o que faço, então acho que o sinto é vitoriosa por isso. Faz 50 anos de carreira, 60 de idade, na flor da idade, no pique dessa geração que fala de engenharia do etarismo, foi 60 com todo fulgor, alegria e gás.
Como avalia a conjuntura social para a população LGBTQIA+ no país?
Amor, jura que você quer falar sobre isso aqui agora? Olha, a pauta é tão diversa e é tão grande que não dá para responder a uma pergunta de um espetáculo que estou fazendo na cidade. Está democratizado? Está! Pode democratizar mais? Pode! Mas é muito mais embaixo a questão.
Qual influência das mulheres e das grandes divas do teatro e da TV na sua
vida?
As divas sempre nos impulsionaram, incentivaram, e de certa forma, nos motivaram. Tenho cinco musas: minha mãe, Hebe, Fafá, Lília Cabral e Rogéria. Então, tenho quadro da minha casa com todas elas, as mulheres da minha vida. Elas servem de exemplo, de incentivo, para que a gente
consiga passar por situações que elas passaram parecidos ou até piores, que a gente não desista do nosso sonho, da nossa vontade de fazer acontecer. É por isso que as divas servem.
Esse ano o Carnaval do Recife e Olinda foi marcado pelo uso do leque. Você é conhecida pelo uso desse objeto. Poderia falar sobre essa relação com o leque, Nany?
O leque nasceu na minha vida desde a primeira vez que me vesti de mulher com 17, 18 anos em Poços de Caldas. Não tinha nem dinheiro para comprar um leque, peguei um pedaço de isopor, enchi de brocal e escrevi tributo a Lucrezia Borgia.
Quando já em São Paulo estava trabalhando no mercado Mundo Mix, o calor era demais, e eu ia com o leque na mão por causa do calor, tinha meias, espartilho e tudo, ficava o dia todo na porta até que um amigo meu apareceu trazendo do exterior aquele leque que hoje em dia faz um “rá” e aí eu comprei. Era caríssimo comprar um leque naquele tempo. Há mais de 25 anos atrás, anos 90, era assim uns 80 reais, era um valor alto. Só que virou minha marca registrada. Quando cheguei na TV, no Goulart de Andrade, em 95, fui levar o leque, aí o cameraman falou assim: “Nany, usa isso como claquete”. O “vra vra” virou a minha marca registrada. Acho o máximo e não foi só no Carnaval de Recife. Foi em festas, raves, em festas pelo Brasil afora, foi o “Carnaval do vra”, e o “vra” vale pra tudo, até quando a pessoa começa a falar muito, você joga: “Querida, não sou obrigada! vra!”. E termina a discussão. Um beijo.
Ingressos à venda pelos sites:
Como Salvar um casamento.
Sob Medida – Nany canta Fafá
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