Uma Estranha Forma de Vida
Pedro Almodóvar
ESP, 2023. 31min. Distribuição: O2 Filmes e Mubi
Com Ethan Hawke e Pedro Pascal
Pedro Almodóvar é realmente um cineasta surpreendente. Isto é o mínimo que podemos afirmar diante desta pequena joia de puro deleite cinematográfico: o curta-metragem Uma Estranha Forma de Vida atualmente em cartaz e que está sendo exibido nas salas brasileiras juntamente com uma entrevista com o realizador. Apesar de ter apenas 31 minutos de duração, o filme por si só já vale a ida ao cinema. Desde a abertura com a tela em janela panorâmica como sempre vemos nos bons filmes de western até os momentos finais, o cineasta espanhol deita e rola nas referências às obras desse gênero que permanece, sem dúvidas, como o mais representativo do cinema hollywoodiano.
Mas, é claro que, partindo das mãos habilidosas de Almodóvar, tudo pode acontecer quando falamos de um realizador que já nos deu filmes incontornáveis como A Lei do Desejo, Tudo Sobre Minha Mãe, A Pele que Habito, e tantos outros. A começar pela trama que tem como ponto de partida a história de um xerife e um rancheiro que viveram um caso amoroso quando eram jovens e se reencontram vinte e cinco anos depois para uma tarde e uma noite de reconciliação ardente. A chama do desejo, no entanto, logo dá lugar a um conflito, cujos desdobramentos serão inesperados.
Uma Estranha Forma de Vida foi filmado em Almeria, na Espanha, no mesmo lugar onde cineastas como Sergio Leone e outros diretores, sobretudo italianos, rodaram filmes do que se convencionou chamar western spaghetti, inclusive usando a mesma cidade cenográfica que está lá há mais de 50 anos. Esse ambiente, a trilha sonora e a fotografia favorecem e criam uma aura muito semelhante às obras clássicas que inspiraram Almodóvar.
Ao mesmo tempo, as rupturas e subversões que pontuam o filme mostram que o cineasta continua um autor original e que não tem receio de experimentar e brincar com a narrativa e a mise-en-scène sem trair a estrutura canônica dos westerns. Elas estão lá muito bem desenhadas e fundamentadas pelos enquadramentos da câmera, o cuidado com a cenografia, convivendo, todavia, com elementos que tornam Uma Estranha Forma de Vida um delicioso suco de cultura pop com direito a fado de Amália Rodrigues, na voz de Caetano Veloso, e uma estética visual que flerta com uma sensibilidade camp.
E para completar, entre os ingredientes que tornaram o filme um dos mais badalados desse ano está a escolha dos atores que interpretam os amantes. Melhor, impossível. Ethan Hawke, como o xerife Jake, e Pedro Pascal, como o rancheiro Silva, são um espetáculo à parte por diversas razões. Primeiro porque são bonitões, mas também por conseguirem expressar, com precisão, a personalidade e a complexidade dos personagens, principalmente se levarmos em conta que por se tratar de um filme curto, essas características precisam ser percebidas desde o início da narrativa. Além disso, eles também dão conta de um aspecto interessante que o filme apresenta: a atração homoerótica entre homens com mais de cinquenta anos de idade.
Para os cinéfilos, o bônus da entrevista após o curta é um presente valioso, uma verdadeira aula de cinema. Nela, Almodóvar disseca todo o processo de elaboração do filme. Conta como se deu a escritura do primeiro argumento, a pesquisa desenvolvida para a construção do roteiro, a definição do cenário e do figurino, além de citar as referências que foi buscar nos filmes e diretores de western como John Ford e Sam Peckinpah. Vale também destacar a relevância dada aos filmes de curta-metragem que, para ele, têm significado, desde A Voz Humana (2020), um lugar de liberdade e renovação de sua careira. Mas, prepare-se, depois de assistir a entrevista, vai dar vontade de rever Uma Estranha Forma de Vida.
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