DEUSES AMERICANOS
Neil Gaiman, P. Craig Russell e Scott Hampton
Intrínseca, 232 pp, 2021, R$ 79,90. Tradução de Fernando Scheibe
Deuses Americanos é uma das obras mais inventivas de Neil Gaiman. E estamos falando de um autor que nos legou obras como Sandman (1988) e Coraline (2002). No romance original lançado em 2001, o escritor inglês apresenta uma guerra subterrânea secreta travada entre os antigos deuses, que chegaram à América como imigrante, e as novas divindades pós-modernas, totalmente à vontade no Novo Mundo (dinheiro, mídia, drogas, cibernética). Tudo isso é acompanhado por Shadow Moon, um ex-presidiário que acaba de ser liberetado e que descobre que sua mulher morreu em um acidente de carro. Ele decide acompanhar o misterioso Wednesday por uma viagem meio sem rumo como um plano para encerrar essa guerra divina.
Apesar do argumento original, Deuses Americanos apresenta uma colcha de retalhos altamente referencial, que faz de sua leitura uma experiência, digamos, tranquila. Tem aqui um pouco de road-trip, épico de fantasia, suspense, drama familiar. Mas, ao mesmo tempo que contamos com essa familiaridade, o livro nos tirava de um lugar confortável para nos apresentar uma narrativa cheia de nuances, com descrições quase impossíveis de conceber dos deuses. Por isso, a tarefa de levar essa história aos quadrinhos se mostrou um desafio enorme. Como traduzir algo tão complexo em uma estética visual sem parecer óbvia e, em alguma medida, elevar a obra original ao buscar novos caminhos adaptados à linguagem das HQs.
É possível dizer que os veteranos P. Craig Russell e Scott Hampton conseguiram alcançar um ótimo resultado nesta adaptação. Claro que alguma subjetividade foi eventualmente perdida, mas os autores foram atrás de outras sensibilidades para pensar uma outra obra. Do ponto de vista da trama em si, praticamente nada foi mudado e a experiência é de reencontrar o livro original. Mas, em que pese não haver nenhum problema em uma adaptação assim tão fiel, o que chama atenção, de fato, são as soluções visuais dos autores, com destaque para as cores que criam uma experiência imersiva. Sobretudo para os interlúdios da história principal, em que conhecemos um pouco mais da experiência dos deuses antigos em sua vinda à América. O pequeno conto “Vinda à América”, no capítulo 9, assinado por Galen Showman e Lovern Kindzierski é perturbador e belo ao mesmo tempo e merecia um livro próprio.
Algo parecido foi feito na adaptação do livro para a TV, na série de mesmo nome disponível no Brasil no Amazon Prime Video. Ao mesmo tempo em que mantém praticamente intacta a trama original do livro, a produção televisiva foi buscar uma experimentação estética dentro do que estamos habitualmente acostumados neste tipo de conteúdo.
No segundo volume, Ainsel, Eu Mesmo, o protagonista Shadow Moon se adapta à sua nova vida com um novo nome, Mike Ainsel, até que seu caminho mais uma vez se cruza com a guerra divina travada entre deuses antigos e novos. Como se trata da metade de uma trilogia, a HQ perde em impacto narrativo após um vibrante primeiro volume, mas os autores conseguem manter um bom ritmo.
Hampton e Russell – ajudados pelas cores incríveis de Jennifer T. Lange – dão forma e substância ao mundo desolado imaginado por Gaiman. Um mundo onde a imaginação, o mistério e a esperança são esmagados pouco a pouco por uma ideia de progresso repleta de opressão e individualismo.
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