A DANÇA COMO ELA É
Sob curadoria de Marcelo Evelin, Festival Internacional de Dança do Recife trouxe um mix de linguagem e defendeu até o que não pode ser caracterizado enquanto dança
13º FESTIVAL INTERNACIONAL DE DANÇA DO RECIFE
Coordenador geral: Arnaldo Siqueira
[Recife, Secretaria de Cultura, 2008]
O número que precede o nome do evento não nos deixa esquecer que o Festival Internacional de Dança do Recife chegou a adolescência. E como tudo que amadurece…ele ficou melhor, mais experiente, saboroso e dessa vez não foi diferente. Nos dez dias da programação foram mais de 22 apresentações com um público de x pessoas que circularam entre todos os teatros envolvidos.
Entre os principais espetáculos da programação estiveram o da francesa Cie. Maguy Marin, com Umwelt, e o argentino Edgardo Mercado, que mostrou Tierra de Mandelbrot e Plano Difuso. Alguns sustos permearam também a programação como o cancelamento de Um Conto Idiota, de J. Garcia Cia de Dança Contemporânea. O que foi comunicado? Extravio do “material cênico” que estava sob a responsabilidade da LSA Nordex.
Ao invés dos tradicionais mega-espetáculos na casa mais antiga da cidade, o Santa Isabel, quem fechou a programação foi uma Batalha de B-boys (!), dançarinos de hip-hop, em meio ao Parque 13 de Maio, no centro da cidade – local de diversão não tão aprazível quanto os cipestres ali plantados.
Entre palestras, oficinas, apresentações inéditas, chás e debates…quem saiu ganhando foi a platéia que, mesmo sendo majoritariamente composta pelos envolvidos com as artes cênicas, pôde conferir que num espetáculo de dança o que está em jogo não é mais um tema ou um eixo narrativo, mas sim um grande e infinito espaço de diálogo onde quem está em constante teste é a própria dança.
STILL – SOB O ESTADO DAS COISAS
O espetáculo de coreografia de Gustavo Ciríaco convida a platéia a mergulhar em duas formas difusas de registro da presença no palco: a do próprio bailarino (performer) e daquele que o vê na telerepresentação. A inspiração da montagem veio da própria representação da natureza morta em que objetos da vida cotidiana são retratados com a ausência do homem, onde a figura ali apresentada suscita um conceito de vida e ação em constante suspensão. Na apresentação o bailarino traz para a pesquisa coreográfica o uso de procedimentos caros à sua atualização nas artes visuais, em particular na vídeo-arte e adota procedimentos cênicos de fixação da platéia com a repetição contínua de um take. Texto e imagens habitam e quase dominam o espetáculo que leva em conta o questionamento dos corpos reais e dos virtuais em que realidade e sinestesia levam a platéia a pensar: “onde de fato está a dança? Na tele representação ou na tradicionalidade do palco?” A verdade é que uma não pode existir uma sem a outra. Estiveram envolvidos o coreógrafo Gustavo Ciríaco, a cenógrafa norueguesa Anniken Romuld e os bailarinos Francini Barros, Ignácio Aldunate e Milena Codeço. A luz tem a assinatura de José Geraldo Furtado e a realização executiva é da Fomenta Produções.
MY MOTHER NAKED
Espetáculo sólo da coreógrafa Cristina Moura, My Mother Naked resulta de um projeto de pesquisa sobre a funcionalidade e o papel do corpo feminino no mundo de hoje. A investigação – baseada na observação de corpos e imagens de corpos envelhecidos, mortos, adormecidos, mutilados, mediáticos e imaginários – procura relatar ao espectador como o corpo dilui emoções como o absurdo, o interesse, a raiva, o espante e a alegria. O diálogo da apresentação vai muito mais longe quando Moura lança mão das obras de Cindy Sherman, Nan Goldin e Melaine Manchot (artistas da fotografia) ne investida as diferentes telerepresentações do corpo. A intérprete, sozinha em cena, exibe então o resultado de toda essa procura pela encarnação do corpo e tem como lastro a provocação e observação do espectador.
PLANO DIFUSO / TIERRA DEL MANDELBROT
A relação entre corpo e imagem e as possibilidades criadas a partir do diálogo entre as diversas linguagens inspiram o argentino Edgard Mercado que trouxe ao 13º Festival as performances Tierra del Mandelbrot e Plano Difuso. Ambos espetáculos com cenário na forma de uma caixa preta produzida pela luz e projeções de vídeo, na qual se reproduzem imagens geradas digitalmente. No espetáculo, a tecnologia substitui as responsabilidades morais do homem e inscreve a história do corpo no tempo real, no reino da interatividade, desvinculando-a da extensão do território.
RELEVO INVERSO
Uma frase do release do espetáculo resume o sólo de Gícia Amorim: “o obstáculo como uma ferramenta para exploração de idéias-formas.” Dentro dessa concepção inscrita pela própria artista, Relevo Inverso é um espetáculo cuja principal marca é o hermetismo. De difícil diálogo com a platéia, a coreografia da bailarina se afasta paulatinamente da dramaticidade e ganha corpo dentro de si mesma. A iluminação de Décio Filho é que dá tônus a apresentação já que o corpo ao longo do espetáulo cria um instigante jogo que revela e oculta formas, cria contornos para lá de inusitados resultado em imagens extremamente plásticas e, assim, atrai a atenção da platéia.
UMWELT
Diretamente da França e coreografado pela francesa Maguy Marin, Umwelt, que tem duração aproximada de uma hora é considerada por muitos críticos como uma instalação cênica. Composa por painéis reflexivos entre os quais os bailarinos passam e executam movimentos entrecortados, o espectador se vê o tempo todo surpreendido por uma apresentação composta de fragmentos coreográficos perdidos e apanhados pela visão. Todos sucessivos e sincronizados deixam o público em suspensão e em constante tensão de estarem presenciando ações inacabadas. E nessa perfeita agonia em cena nove bailarinos surgem e desaparecem repetidas vezes encenando gestos cotidianos. Eles se vestem não com tutu ou colants, mas da mesma forma que a platéia e age como a platéia, como cidadãos comuns em situações de não-exposição. Os bailarinos comem maçãs, jogam papel no chão, namoram, carregam bandejas. São puro reflexo da platéia. Umwelt então executa um vai-e-vem questiona a modernidade e a fragmentação da vida contemporânea. Maguy Marin é considerada um dos nomes mais importantes surgidos com a dança pós-moderna americana. Sua obra coreográfica incursiona sobre os preceitos cênicos de Samuel Beckett fazendo uma leitura muito própria do Teatro do Absurdo e procura causar no espectador imagens de opressão e degradação da condição humana.
LIKE AN IDIOT
Conceituado como uma espécie de trabalho de “dança urbana conceituado para o palco”, Like An Idiot da carioca Cristina Moura é um sólo resultado de uma pesquisa acerca das emoções do corpo. Aqui, a intérprete se veste e se despe encarnando diversos personagens e estados de espírito completamente contraditórios. Assim ela se confronta com seus personagens e depois consigo mesma e desenvolve um universo onde o corpo é um armazém de emoções. O discurso traçado com a coreografia é que desperta emoção através do movimento definidos por um corpo que, neste epetáculo comunica-se diretamente com a platéia.