
O filme que estreou nesta sexta-feira (6) no Brasil marca o reinício da franquia do herói aracnídeo nos cinemas. A trilogia anterior (2002, 2004 e 2007) está ainda muito fresca na cabeça dos fãs e a comparação, portanto, é inevitável.
Esta proximidade fez com que O Espetacular Homem-Aranha – dirigido por Marc Webb (500 Dias com Ela) e estrelado por Andrew Garfield (do ótimo A Rede Social) – buscasse um caminho novo para reapresentar o herói e, ao mesmo tempo, afastar-se dos conceitos anteriores.
E é aí que a produção desanda: entre as versões clássica e moderna (da linha Ultimate) dos quadrinhos, o filme fica no meio do caminho de ambas, e se perde.
Por se tratar de um reinício, a origem do herói é recontada, e quase sem alterações. Enquanto investiga as ligações do cientista Curt Connors (Rhys Ifans) com seus pais, mortos quando ainda era criança, o adolescente Peter Parker é picado por uma aranha. Não fica claro se o aracnídeo era radioativo, geneticamente modificado ou qualquer outra coisa que justificasse transferir seus poderes para o rapaz.
O fato é que ele desenvolve superforça, agilidade sobre-humana e capacidade de aderir a qualquer superfície. A recém descoberta faz com que Peter assuma um comportamento estranho e o coloca em conflito com os amorosos tios que o criaram, May e Ben (Sally Field e Martin Sheen, pouco inspirados). O assassinato de Ben por um ladrão que o jovem não ajudou a prender é a motivação que ele precisa para assumir a identidade do Homem-Aranha e passar a combater o crime.
Nos quadrinhos, esta última passagem – adaptada fielmente na franquia anterior – é emblemática na mitologia do herói. É o “turning point”, o momento da transição de um garoto inebriado com os poderes adquiridos para outro que assume fazer o bem. É daí que nasce o mantra do personagem, repetido à exaustão nas últimas cinco décadas: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Em O Espetacular Homem-Aranha, toda esta carga se perde. A morte do tio Ben não tem um décimo do apelo dramático dos quadrinhos ou do filme de 2002. Aqui, a euforia de Peter Parker antes do crime foi reduzida a uma tarde no skate e a uma trombada no valentão da escola, Flash Thompson. Depois, o jovem transforma a luta contra o crime numa vendeta: espanca malfeitores somente porque está à caça do homem que matou seu tio.
Até mesmo o confronto com o vilão da trama, o Lagarto, é assumido pelo Homem-Aranha como um fardo pessoal: ele se obriga a detê-lo porque sente-se responsável pela criação do monstro (foi Peter quem ajudou o Dr. Connors a concluir a fórmula que o transformou no Lagarto).
O filme é sombrio. A maior parte das cenas de ação se passa à noite, e quando tenta reproduzir as piadas que o herói costuma fazer ao enfrentar vilões, falha miseravelmente. Na trilogia anterior, ao contrário, havia um clima dos bons quadrinhos do Aranha: divertido, claro, colorido, bem-humorado mesmo quando não tinha a intenção de sê-lo. Explorava, de uma forma que o novo filme não consegue, os conflitos de um jovem herói às voltas com seus deveres com a família, a escola e os amigos.
Como filme em si, O Espetacular Homem-Aranha tem seus méritos – e também muitos defeitos, como o roteiro cheio de furos e perda de ritmo. O que funciona melhor é o elenco, em especial a atuação de Andrew Garfield e sua interação com Emma Stone, lindíssima no papel de Gwen Stacy.
O Espetacular Homem-Aranha é bem intencionado, mas lhe falta “alma”. A essência do personagem, um herói azarado e, ainda assim de bem com a vida, não está lá. Na tentativa, talvez, de parecer mais “plausível”, o filme desmistifica até uma das piadas mais comuns (“onde é que o Homem-Aranha prende sua teia para se balançar entre os prédios?) com uma cena pra lá de piegas.
Se é que este filme dará origem a uma nova franquia – e tudo indica que sim -, é melhor os fãs se acostumarem. O bom e velho amigão da vizinhança saiu de cartaz.