Cobertura: Festival Vaca Amarela 2013, em Goiânia

boogarins
Boogarins, um dos nomes mais celebrados deste ano (Divulgação)
Evento levou uma multidão para ver bandas como Dead Fish e Boogarins (Divulgação)
Evento levou uma multidão para ver bandas como Dead Fish e Boogarins (Divulgação)

Festival Vaca Amarela confirma Goiânia como capital do rock brasileiro

Por Maurício Ângelo
Da Movin’Up em Goiânia

Não é de hoje que Goiânia ostenta, com justiça, o rótulo de capital do rock brasileiro. A “cena rock de Goiânia” tornou-se símbolo de qualidade no underground e no alternativo, com uma profusão de bandas incrível. A 12º edição do Festival Vaca Amarela, que teve média de 1500-2000 pessoas por noite e que divide com o Bananada e o Goiânia Noise a atenção da cena – e o simples fato da cidade ter três festivais independentes fortes já diz muito – comprovou que é muito difícil tirar a primazia de Goiânia quando se trata de oferecer bandas que, a despeito de terem começado “ontem”, entregam um som redondo, maduro e capaz de se destacar. Se o garage rock, o stoner e o metal seguem como a essência da maioria das bandas, sobram destaques para o indie do Cambriana e a psicodelia do Boogarins, nome que começa a circular com força pelo Brasil e já ganha reconhecimento da mídia gringa (o CD da banda recebeu 4 estrelas do All Music Guide, por exemplo).

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Ambas fizeram dois dos melhores shows do festival, lotados, com o público em transe, mostrando porquê merecem a atenção que estão recebendo. O Cambriana é o indie por excelência, bebendo na fonte do brit-pop “tradicional” e “experimental”, já com alguns coringas no repertório, caso de “The Sad Facts”, “Vegas” e “Astray”. Sempre empolgante, carregada de efeitos e artimanhas, o Cambriana caminha para firmar seu nome nacionalmente.

Mesmo caso do Boogarins. Se a psicodelia está em voga, a banda carrega a tradição do estilo com um som etéreo, viajante e muito bem feito, que lembra The 13th Floor Elevators, Spacemen 3 e mesmo algo do space rock como Nektar e Hawkwind, além de Kinks e Syd Barret. Ao vivo a experiência é legítima de uma jam, com longas sessões instrumentais e músicas que se entrelaçam em solos, riffs e levadas cheias de reverb, distorções e efeitos típicas dos anos 60. “Lucifernandis”, “Infinu”, “Erre” e “Doce” foram destaque. “Psicodélicos são vocês”, brincou Fernando Almeida, encerrando o show com um sorriso de satisfação no rosto. Fernandotambém toca no Ultravespa, que fez bonito no primeiro dia no pouco que consegui acompanhar.

Boogarins, um dos nomes mais celebrados deste ano (Divulgação)
Boogarins, um dos nomes mais celebrados deste ano (Divulgação)

Já o Nevilton, queridinho da crítica, com dois discos no currículo, tinha tudo para aplicar uma goleada mas pecou pelo excesso que também acometeu outras bandas: a empolgação exagerada, o desespero em tentar “instigar” o público a todo instante e as repetitivas frases de “tamo feliz pra caralho de tá aqui”. Os gritos incessantes de “vamo quebrar tudo, Goiânia!”, simplesmente não combina com a música do Nevilton. Competente, o trio – que recentemente perdeu o baterista, substituído por um músico contratado quando necessário – aumenta o peso, talvez influenciados também pela cidade e pelo público. Mas, de modo geral, falta algo no balanço do Nevilton. Cansa, não convence, não diverte. Parece artificial demais, forçado demais. Esvaziado, a despeito do Martim Cererê estar lotado, o show esteve longe de conquistar os goianos, ainda que a banda tenha repetido várias vezes que a cidade foi a primeira em que tocaram fora do Paraná. “Já que não cantam as nossas músicas, vamos mandar uma das Spice Girls”, disse Nevilton, emendando um trecho do grupo inglês. Sintomático.

Sobre a principal atração da noite, o Bonde do Rolê, não há muito a dizer. Em termos musicais, a banda é nula e temerosa, inclusive no campo do “funk zuera”. Feito para divertir, cumprem a missão apelando para todo tipo de artifício – versões toscas de hits internacionais, como “Starship”, da igualmente horrível Nicki Minaj e seus “sucessos” como “Solta o Frango” e “Office Boy”, entre bonecos infláveis de bichos e o diabo a quatro.

Entre o stoner, o hardcore e o rap
No segundo dia do evento, Mad Matters e Space Truck fizeram bons shows. O Space Truck, formada por três garotos, soa como uma mistura de Rush e Soundgarden, por mais estranho que isso pareça, e funciona. Boa técnica e instrumental diferenciado em linhas vocais que lembram, de leve, Chris Cornell. O Cassino Supernova, do DF, levou a onda retrô para o palco do Martim Cererê, bebendo na fonte do rock brasileiro dos anos 60/70, com letras em português e animação (até demais) por parte do vocalista, Gorfo. Competente, a banda também fez uma homenagem a Lou Reed, projetando a imagem do músico no telão e tocando um trecho de “Sweet Jane”.

O Porcas Borboletas, de Uberlândia, típico conjunto neo-hippie com letras mezzo cabeçudas mezzo engraçadinhas, agradou o público, que conhecia a maioria das músicas – vale lembrar que o Porcas toca bastante em festivais por aí – incluindo pérolas como “Super-Herói Playboy”.

O Overfuzz foi outra banda goiana que, carregando o formato power-trio estilo Motorhead, se destaca entre seus pares. Brunno Veiga, Bruno Andrade e Victor Ribeiro, que formaram o grupo em 2010, sabem o que fazem, construindo bons riffs, com punch sempre presente.

O encerramento do dia ficou a cargo do Projota, que levou uma legião de fãs adolescentes ao Martim Cererê, fazendo um show absolutamente lotado e praticamente impossível de acompanhar. Apesar de talentoso, Projota parece longe de praticar o discurso humilde e de “família” do rap, fazendo exigências dignas dos piores acessos de estrelismo, como não dividir a van do evento com ninguém e por aí afora. Esse “novo rap paulista” sofre de arrogância precoce, ganhando muito mais holofote do que realmente merecem e capitalizando bem com um discurso fácil que faz a cabeça da molecada.

O último dia do Vaca Amarela, único que, se não chegou a ser sold-out, recebeu ótimo público, foi reservado especialmente ao hardcore. A estrutura do festival, em termos de banheiros, preços e filas para comprar cerveja e comida, foi adequada, assim como o lounge da Ray Ban, que vem “encampando” festivais independentes Brasil afora, disponibilizado para as bandas, produtores, convidados e imprensa.

Se a maioria das bandas de hardcore do último dia apostaram nos clichês típicos do gênero, ainda que redondos, os destaques vão para duas bandas de stoner, levando o estilo com competência acima da média. Don Fernando, da Austrália e Hellbenders, outro destaque da cena goiana, fizeram dois dos melhores shows do festival.

No fim, o Dead Fish, verdadeira instituição do hardcore brasileiro com mais de 20 anos de carreira nas costas, encerrou com a garra habitual o evento, elencando as principais músicas de todos os seus discos, que ganham ainda mais peso e velocidade ao vivo.

A certeza que fica é que Goiânia tem a melhor cena rock do país, num estado que é conhecido pela profusão de duplas sertanejas, o que não deixa de ser curioso. É muita gente nova fazendo música capaz de impressionar quem gosta dos estilos que praticam.

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Maurício Ângelo é jornalista e editor do Movin’UP, onde esse post foi publicado. Veja mais textos dele.