Tiago Negreiros: Belo Monte, os globais e a realidade

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BELO MONTE PARA QUÊ?
Artistas ‘globais’ lançam video contra à usina, popularizam o debate e obrigam o Governo defender o projeto pela enésima vez

Por Tiago Negreiros
Colunista da Revista O Grito!

O projeto de construir uma usina hidroelétrica no Rio Xingu, no Pará, é motivo de debate no Brasil desde meados da década de 70. Restrito a ambientalistas, indigenas e intelectuais da esquerda e direita do país, a usina ganhou popularidade somente quando atores da TV Globo divulgaram na internet um vídeo com confusas e equivocadas críticas ao projeto. Antes, contudo, pressões de ambientalistas e indigenas pressionaram o Governo FHC a reduzir o plano original da usina, que era de gerar 20 mil mW de energia e acumular 18 mil km2 de água em duas barragens. Uma imagem histórica na luta indígena contra a então usina de Kararaô é a da índia Tuíra apontando um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz, em 1989. Quando inaugurada – previsão para 2019 -, a usina gerará 11,2 mil MW de energia em um reservatório de 516 km2. Em respeito aos índios, o indigena “Kararaô” foi substituído por “Belo Monte”.

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Embora tenha tido significativas reduções em seu projeto original, Belo Monte não deixou sua característica faraônica. Será a terceira maior hidroelétrica do mundo, superada apenas por Três Gargantas, na China, e Itaipu, no Brasil e Paraguai. Duas barragens serão necessarias para a construção da obra; a primeira, chamada de Barragem do Sítio Pimentel (com seis turbinas Bulbo), será importante para que o acúmulo da água seja suficiente para dar vazão ao canal de derivação, que desviará parte da água do Rio Xingu para outra barragem, a de Belo Monte, onde ficarão as demais turbinas de geração de energia.

14121A barragem de Belo Monte terá 850 metros de comprimento, com 90 metros de altura. Serão 18 turbinas Francis, que geram energia com a queda d’água. Cada uma delas devolverão ao leito do Xingu 775 métros cúbicos por segundo, ou seja, o suficiente para encher uma piscina olímpica de 2,5 mil m3 a cada três segundos. A obra custará 25 bilhões e será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Há algumas semanas vários atores da TV Globo, entre eles, Marcos Palmeira, Maitê Proença, Cissa Guimarães, Eriberto Leão e outros, divulgaram na internet um vídeo de proposta ecológica contra Belo Monte (veja abaixo). Nela, os artistas criticam o projeto e pedem aos internautas para assinarem uma petição contra a usina. Mais de um milhão de assinaturas já foram acumuladas, que, em breve, segundo o movimento chamado “Gota D’água”, será levado até a presidenta Dilma Rousseff, justamente uma das maiores defensoras de Belo Monte desde quando era ministra das Minas e Energia, no Governo Lula.

É inegável que o vídeo dos ‘globais’ foi importante para popularizar o debate, mas sua importancia acaba por aí. O texto é paupérrimo em informação; confuso, falacioso e com erros bizarros, como o de dizer que “abaixo da barragem o rio banha o Parque Nacional do Xingu”. O rio se chama Xingu, mas o Parque fica na nascente do rio, em Mato Grosso, a 1300 km do local onde de fato ficará a hidroelétrica. Em tom de indignação, os atores comentam o valor total da obra. Vários citam que a usina vai custar “R$ 30 bilhões”, mas Cissa Guimarães desmente os próprios colegas: “São R$ 24 bilhões que vão sair do seu bolso”. Falso. Belo Monte não será construída com dinheiro público, mas de fundos de pensão, de investimento, de empresas privadas e majoritariamente pelo BNDES, banco estatal, mas detentor de recursos assim como toda e qualquer instituição financeira: por meio de empréstimos e cobranças de juros.

No vídeo, os atores reduzem o uso da energia para ver novela, carregar celular, Ipad, situações meramente caseiras. Uma tolice.

Há erros grosseiros, como dizer que a barragem de Belo Monte inundará 640 km² da Floresta Amazônica. Conforme esclarecido neste texto, serão 516 km², destes, 44% já estão alagados naturalmente pelo Xingu. É certo que o período de seca do rio é de seis meses, mas nesse período outras usinas no Nordeste e no Sudeste estarão suprindo a capacidade de Belo Monte, já que a energia no Brasil é distribuida numa rede integrada. Independentemente da seca, o que vale é a capacidade anual da hidroelétrica. Essa capacidade, convenhamos, é insustentável ecológica e financeiramente de ser alcançadas em outras matrizes; eólica e solar, como sugeridas pelas celebridades. O Brasil possui hoje 45 usinas eólicas, gerando uma capacidade energética de 794 mil kW de potência. Para ser claro: um megawatt (mW) tem mil kilowatts (kW).

Todas as usinas eólicas brasileiras juntas equivalem a 794 mW. Belo Monte terá capacidade de gerar, conforme citado no inicio do texto, 11,2 mil mW. Ou seja, seriam necessarias mais de 600 usinas eólicas para suprir a capacidade da hidroelétrica do Xingu. Limpa porque é renovável, mas as usinas eólicas precisam de vento e espaço aberto para gerarem energia. Como na foto abaixo, no Parque Eólico de Osório (RS), o impacto visual na paisagem é gritante.

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Energia do vento: muito espaço e impacto visual gritante (Foto: Divulgação)

Um dos pontos mais controversos do vídeo é quando questionam para onde serão levados os índios quando a usina for construída. Acontece que o local onde vivem os povos indígenas não será inundado. Por causa da barragem Sítio Pimentel, uma pequena parte da vazão do Xingu será reduzida. Cerca de 17 mil moradores de palafitas às margens do rio e 3 mil ribeirinhos é que serão realocados para outras proximidades. As novas moradias serão acompanhadas pelo Governo Federal. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, saiu em defesa de Belo Monte: “Não há nenhum índio ou pessoa da comunidade indígena sendo retirada de suas terras. Belo Monte é eficiente e não é cara, se comparada a outras obras. O governo tem convicção da viabilidade técnica, econômica e social da usina de Belo Monte. Nossa matriz tem mais de 80% de energia limpa e renovável. É o nosso diferencial. A média mundial é 18%. “, disse.

Belo Monte é de suma importância para as ambições desenvolvimentistas brasileiras. A presidenta Dilma Rousseff acredita que a economia do país será a quinta maior até 2016. Mas, para sustentar esse crescimento, é necessário energia. A falta de investimento nessa área levou o Brasil a um dos momentos mais vergonhosos desde a redemocratização; a obrigatoriedade de reduzir em 20% o consumo de energia. O impacto refletiu diretamente na economia do país, gerando desemprego e um crescimento pífio: 1,42% do PIB em 2001. O setor industrial, um dos mais afetados pelo racionamento, cresceu naquele ano apenas 0,31%, segundo dados do IBGE.

Afinal, como sustentar um país em franco desenvolvimento sem energia? No vídeo, os atores reduzem o uso da energia para ver novela, carregar celular, Ipad, situações meramente caseiras. Uma tolice. Pior do que não ver uma novela, é ficar sem emprego porque a indústria precisa reduzir o consumo de eletricidade. Ou os atores aceitariam trocar Belo Monte por mais duas usinas atômicas em Angra dos Reis? Para o Brasil manter seu crescimento econômico de forma sustentável, Belo Monte precisa sair do papel. Impacto ambiental nulo é impossível, mas assim seria em qualquer matriz energética. Contudo, a hidroelétrica é renovável e agride bem menos a natureza do que uma usina de carvão, por exemplo. O discurso ecológico dá status, mas a classe trabalhadora precisa é de dinheiro para pagar suas contas no fim do mes.

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Tiago Negreiros é jor­na­lista polí­tico. Reside em Toronto, no Canadá e escreve arti­gos para a Revista O Grito! sobre polí­tica internacional