Resenha: Tinariwen e a revolta poética para o povo tuareg

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Os artistas Tuareg do Tinariwen congregam tudo o que a gente espera de um artista ativista. Um de verdade. Baseando sua música em uma sonoridade tradicional de sua comunidade no Saara eles levantam a bandeira da luta pela independência de seu povo. As faixas são hinos a favor da liberdade, mas também denunciam problemas urgentes, como acesso à água. Elwan, o sétimo disco de estúdio, é um dos melhores trabalhos da banda desde que surgiram no cenário internacional com The Radio Tisdas Sessions, de 2000 (a formação do grupo, no entanto, remonta ao final dos anos 1970).

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Ainda que o Tinariwen seja um dos expoentes do Tichumaren, estilo de música tradicional do nordeste do Mali, eles trouxeram para sua sonoridade elementos do rock e do blues, o que casou bem desde o primeiro disco. O tichumaren é, na verdade, um caldeirão que traz elementos de diversos sons da África e do Oriente Médio, tudo embalado pela guitarra elétrica bem blueseira. O gênero é indissociável da luta política do povo Tuareg (ou Tamasheq, como também são conhecidos).

O som foi tomando forma após a saída das potências neocoloniais da África, seguidas de diversas instabilidades políticas e guerras. As letras são carregadas de críticas sociais e o som serve ainda como aglutinador dos costumes e tradições do povo. Os tuareg são um povo nômade que habita uma região compreendida entre Niger, Mali, Líbia, Argélia e Burkina Faso, todos na região do Deserto do Saara. Ninguém sabe como chegaram ali, mas Heródoto já os citava no século 5 depois de Cristo.

Diversas rebeliões Tuareg foram registradas desde o início dos anos 1900, sobretudo como uma reação ao colonialismo francês. Em seguida os problemas maiores foram com os governos do Mali (nos anos 1960) e Niger (em 1990) que empreende perseguições aos habitantes através de leis de uso da terra e extração de minerais. Ibrahim Ag Alhabib, um dos fundadores do Tinariwen, teria visto seu pai, um ex-rebelde combatente, ser executado em 1963 após uma das revoltas no Mali. A banda, portanto, nasce com a defesa da liberdade como algo intrínseco, assim como o estilo que tocam.

Pela sua autenticidade os chamados “roqueiros do deserto” caíram nas graças de parte do cenário independente do hemisfério Norte, como Thom Yorke, Brian Eno, Robert Plant e Chris Martin. Após diversas turnês pela Europa e América do Norte eles acabaram lançando o primeiro disco distribuído internacionalmente em 2000 e hoje, quase 20 anos depois são representados pela gravadora -ANTI, mesma casa do Wilco, Dr. Dog, Tom Waits, Beth Orton e Deafheaven. E o apelo deles já passa longe do “world music” ou “global music”, acepções problemáticas e ainda carregadas de um ranço colonizador. A música do Tinariwen é original o suficiente para distingui-los, mas não os isola.

Elwen consegue unir os sons da África e do Oriente Médio com o folk rock norte-americano. O uso da guitarra como elemento principal aproxima a banda de outras cenas musicais, mas serve antes ao propósito de fazer música com um propósito.

Para este disco os convidados especiais se mostram à vontade em abraçar essa proposta. Kurt Vile, hoje um dos nomes mais importantes do novo indie-folk, aparece já na faixa de abertura, “Tiwàyyen”, cuja letra conclama uma marcha pelo deserto e também em “Nànnuflày”, que também conta com Mark Lanegan nos vocais. Já “Talyat” traz Alain Johannes, um dos integrantes do Queens Of The Stone Age traz sua guitarra mais groove para uma música que fala essencialmente de amor.

As músicas mais inspiradas do disco são também as que mais conclamam um espírito comunal do povo Tuareg. “Sastanàqqàm” fala do costume de andar pelo mundo e também de se manterem unidos. “Nizzagh Ijbal”, com sua levada melancólica, mas assertiva, cita as rebeliões e chama o combatente a se manter unido. A gravadora disponibilizou todas as letras em inglês para quem quiser conhecer mais da proposta poética-libertária da banda. Mas apenas em ouvir o instrumental e a performance dos músicos é possível captar o espírito de cada canção.

Elwan é o mais radical exemplo de ativismo hoje na música, mas é também o grupo que mais encarna o espírito rock’n’roll de contestação, insurgência e vigor. E fazem isso com um som que é ao mesmo tempo hipnótico e inspirador e baseado em uma força poética oriunda do imaginário do deserto.

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