O show de Los Hermanos no Recife: um ritual conhecido para antigos e novos devotos

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Amarante durante o show no Recife: o match perfeito de razão e emoção. (Foto: Zé Rebelatto/Divulgação. )

Exatos vinte anos após a primeira vez em que se apresentaram no Recife, no mesmo Centro de Convenções que os recebeu como promessa do rock nacional na edição de 1999 do Abril pro Rock, a banda Los Hermanos esteve de volta à capital pernambucana na última sexta (12), para aquele ritual já conhecido – e nem por isso menos catártico – de reunir os fãs numa noite de celebração de suas canções. Mais velhos e contidos, os barbudos não conseguem, no entanto, disfarçar o sorriso e a satisfação de encontrar aqui um dos públicos mais passionais do país.

O show, parte da agenda de apresentações anunciada em dezembro de 2018, vem cumprir a infindável expectativa do público de ver ao vivo uma das formações mais emblemáticas no cenário pop-rock nacional das últimas décadas, tendo a longevidade da obra do quarteto carioca para resguardar isso. A última vez que Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba estiveram entre nós foi no Classic Hall em 2015.

No início do mês, mais uma surpresa: depois do intervalo de 14 anos sem soltar um disco de inéditas, a banda lançou “Corre Corre”, uma faixa avulsa que, avisam, não indica um retorno ao estúdio.

Já no início da noite a enorme fila que tomou conta do estacionamento do Centro de Convenções anunciava a expectativa dos fãs. O que até os primeiros acordes era só um burburinho, não deu pra segurar quando de fora se ouviu a primeira música. A banda foi pontualíssima. Porém, do lado de fora, centenas de pessoas ainda aguardavam sua vez de entrar no pavilhão do Cecon e dispararam para não perder mais nenhum minuto. Seguranças apressaram-se em abrir as catracas e deu pra ver a euforia de quem estava fora e corria para resgatar o hiato de doze anos iniciado em 2007, após a turnê do último trabalho de estúdio, 4.

Um autêntico show de Los Hermanos não é para amadores. Explicar o culto em torno deles é possível, mas a energia do negócio, só estando em um para sentir. Para começar, vá de tênis. Você vai pular bastante, seja você umx alucinadx raiz que canta até as partes instrumentais das músicas (alguém lembra daquela comunidade no orkut Eu Canto as Partes Instrumentais de Los Hermanos? Pois é, poderia dar lugar nos dias de hoje à um perfil no Instagram: Humans of Shows de Los Hermanos), ou seja você umx cônjuge levadx para uma apresentação pelo amor ao seu par. Hidrate-se. Deixe a extorsiva Itaipava latinha a R$8 para depois, beba água. E tá liberado registrar tudo com o celular – respeitando os coleguinhas ao lado.

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Show no Recife lotado: um dos públicos mais passionais. Zé Rebelatto/Divulgação).

É um transe, que antes poderia se explicar pelo zeitgest de quem estava lá desde o começo e iniciou seus primeiros relacionamentos amorosos ou entrava na faculdade enquanto “Tenha Dó”, “Quem Sabe” e “Pierrot” eram ouvidas no rádio várias vezes ao dia. Não mais. O público se renovou. Seja graças aos serviços de streaming que permitem o alcance das novas gerações a bandas antigas ou encerradas, seja pelo apelo atemporal das canções, o que ficou provado é que muita gente que veio a conhecê-los recentemente já é uma parte considerável da nova audiência. Em certo momento, Camelo pergunta: “Quem está no nosso show pela primeira vez?” Um mar de rostinhos de aparelho brilhando de suor levanta as mãos e encontra a aprovação de quem já viveu tudo aquilo um dia, no Armazém 14, no Marco Zero ou no Clube Internacional.

E tome clássicos. Mas se toda a discografia é icônica, difícil distinguir qual música não é um clássico no repertório. Para comprometer desde o início as cordas vocais dos jovens e nem tão jovens assim, uma sequência matadora de “Retrato pra Iá Iá”, “O Vencedor” e “O Vento”, seguidas de um respiro durante “Primeiro Andar”, “A Outra” e “Pois É”.

Médio: até as mais contemplativas também são berradas em coro pelo público. Chega a hora de um grande hinário, no glossário dos millenials. “Sentimental” é uma daquelas músicas de versos difíceis (“De tanto eu te falar / Você subverteu / O que era um sentimento e assim fez dele razão / Pra se perder / No abismo que é pensar e sentir) e entendimento hermético que, ainda assim, a gente ouve mais a voz dos fãs do que de Amarante. É catártico porque todo mundo já se sentiu assim uma vez na vida, ou falar sobre isso para milhares de pessoas causa epifania? Enfim, sempre lindo de se testemunhar.

Em seguida, “Samba a Dois”, “Paquetá”, “Anna Júlia”, “Morena”. Como não podia ( e não deve) faltar nos próximos anos em qualquer manifestação artística progressista, o coro de “Ei, Bolsonaro, vai tomar no cu!” estava lá também. E tome inesquecíveis: dessa vez, “Último Romance” e “Sétimo Andar”. No bis “Deixa o Verão”, “Conversa de Botas Batidas”, uma palhinha de frevo, a pungente “De Onde Vem a Calma” e “Pierrot”. Entre camisas ensopadas e abraços efusivos de quem reencontra um velho amigo, mais uma vez coube a Los Hermanos firmar seu lugar de uma banda amada com um match certeiro de razão e emoção.

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Editora colaboradora