Mostra SP 2016: Polish Day, inquietação e neoliberalismo no cinema polonês

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Cena de Michal Marczak. (Divulgação).
Cena de Michal Marczak. (Divulgação).
Todas Essas Noites Sem Dormir, de Michal Marczak, destaque em Sundance este ano. (Divulgação).

De São Paulo

O cinema polonês é o grande homenageado da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que realizou até mesmo um evento, o Polish Day, no dia 26, com destaque para a obra dos cineastas Andrzej Wadja (1926-2016) e Krzysztof Kieślowski (1941-1996).

A mostra está exibindo 17 filmes de Wajda, morto no último dia 10, incluindo Cinzas e Diamantes (1958), O Homem de Mármore (1976) e O Homem de Ferro (1981). O cineasta, que recebeu um Oscar honorário em 2000, dentre as muitas premiações, dedicou sua vida e obra a narrar a história política da Polônia, e foi senador pelo país. Ao todo, o Foco Polônia trouxe a São Paulo 46 filmes e um debate intitulado “O cinema da inquietação moral de Wadja a Kieslowski”, com a entrega do Prêmio Humanidade para Wajda, e as presenças do crítico polonês Tadeusz Lubeski e do crítico brasileiro Luiz Carlos Merten.

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A obra do cineasta Krzysztof Kieślowski, mais preocupada em questionar o homem contemporâneo e seus conflitos diante de um mundo socialmente desigual e opressivo, numa postura mais existencialista, está presente com seis filmes e os 10 episódios da série televisiva Decálogo, lançada originalmente em 1989, que se tornou cult, exibidos em versão restaurada. Dois dos episódios, adaptados para as telas de cinema, foram exibidos na 13ª Mostra, com os títulos Não Matarás e Não Amarás. A série completa do cineasta polonês reúne dez episódios inspirados nos mandamentos bíblicos do Velho Testamento. Os episódios são parábolas independentes, mas os personagens centrais vivem no mesmo conjunto habitacional em Varsóvia.

A homenagem a Wadja e Kieślowski serve como ponto de partida para estabelecer um interessante contraste entre passado, presente, e o inquietante futuro, se considerarmos o recente filme polonês, vencedor do Prêmio de Direção de documentário da seção World Cinema do Festival de Sundance Todas Essas Noites Sem Dormir (All these sleepless nights), de Michal Marczak, por exemplo, em exibição na mostra. Superestimado, ele chegou a ser comparado a Jacques Rivette por explorar as fronteiras entre ficção e realidade.

A Beleza de Ashes and Diamonds. (Divulgação).
A Beleza de Ashes and Diamonds, de Wajda. (Divulgação).

O diretor é autor e o protagonista, vivido por Michal Huszcza, uma espécie de alterego e performer em um roteiro documental autobiográfico, que acompanha suas andanças dele e as de seu amigo Krzysztof (coincidência?), interpretado por Krzysztof Baginski, pelas noites de Varsóvia, de festa em festa, de carreira em carreira, de garota em garota. Drogas, sexo e, em vez de rock and roll, muita música eletrônica sempre cantada em inglês – como exceção há uma única inclusão a uma balada romântica, cantada em português. Desinteressantes, medianos, avessos a qualquer tipo de vínculo, eles não levam nada às ultimas consequências, ao contrário do que assinala a sinopse e parecem profundamente empenhados em gastar o dinheiro que presumivelmente herdaram, pois não trabalham. São estudantes numa escola de Artes, e isso é mencionado de forma vaga em alguma parte do filme, entre uma ressaca e outra. O martírio de Michal, em busca de redenção para uma vida insossa e tediosa, não tem fim, nem mesmo com o surgimento de um amor, na figura de Eva (Eva Lebuef), que indecisa entre o papel de ícone do pecado original na criação bíblica e a Lilith do inframundo cristão, tampouco consegue se sustentar como alternativa.

Apático, enfadado, sem nenhuma perspectiva de futuro ou mesmo de indagar-se sobre o que quer que seja, Michal, o protagonista, termina o filme com uma fantasia de coelho que até poderia lembrar Donnie Darko (1991), cumprimentando duas senhoras pela manhã, após mais uma noitada, num gesto irreverente, como se inconsequência fosse sinônimo de transgressão e não de anorexia emocional. O que é pior é que, provavelmente, esse tipo de produção é bastante sintomática não só da Polônia atual, mas da sociedade neoliberal que se delineia a partir de alguns países da União Europeia, outrora sinônimos de revolução, e se estende à brasileira, e, sobretudo, às democracias jovens. De um lado, o conservadorismo extremo, e de outro, a alienação total.

Um dos episódios de Decálogo, um novo olhar do Velho Testamento. (Divulgação).
Um dos episódios de Decálogo, um novo olhar do Velho Testamento. (Divulgação).

Mais sessões
Dia 01/11
15:00 – Circuito Spcine Paulo Emilio – CCSP

Dia 02/11
21:15 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 6

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