Luiza Lusvarghi // Trans: Ah, Miguel, onde andará Jonathan Rhys Meyers?

Quem viu no You Tube não precisa de mais referências: o trilheir,o e agora ator de Os Desafinados, de Walter Lima Jr., o produtor e músico André de Moraes, já se tornou um clássico da Internet com o seu vídeo hilário, “O Destino de Miguel” (2005), e a seqüência, “O Retorno de Miguel” (2008), sobre um jovem de Pelótas que quer “traçar” todo mundo. Nada mais pós-moderno: colagens, trucagens, recheados de palavrões e comentários jocosos ditos por algumas das maiores celebridades brasileiras – Fernanda Montenegro, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Bruno Garcia, Lúcio Mauro Filho, Jair de Oliveira, Iggor Cavalera, Caetano Veloso e Sidney Magal – cederam suas vozes a Moraes e nos fazem morrer de rir. Falam pela boca de Joseph Finnes, o nosso Miguel em questão, desfilando impávido pela corte inglesa da era elizabetana com seus olhos de eterna ressaca. O maior trunfo da obra, entretanto, reside em editar cenas de Shakespeare Apaixonado (1998, John Madden, EUA) e Elizabeth (1998, Shekhar Kapur, Inglaterra), dois filmes sobre o mesmo período, sem que ninguém se aperceba. Os cenários, as roupas, a movimentação, tudo praticamente se assemelha, e até mesmo Geoffrey Rush, o capitão Barbossa de Piratas do Caribe, está lá. Tal como ocorre nas cidadezinhas nordestinas do Projac, a Inglaterra elizabetana ganhou nestes dois filmes uma identidade visual moderninha, pasteurizada, mas sempre moralista, em que o politicamente incorreto não tem vez.

Enquanto isso, no seriado The Tudors, os personagens da corte de Henrique VIII, que colecionou seis esposas oficiais, amantes, e decapitou uma delas, Ana Bolena, parecem pouco se importar com questões éticas. Desregrados, lascivos, lobistas, usam seus corpos e todos os artifícios de que são capazes para se dar bem dentro do tráfico de influências em que se converte a Inglaterra do homem que desafiou o Papa e se considerava um interlocutor divino.

O público britânico, dizem, não está gostando nem um pouco da série The Tudors. Centenas de telespectadores já deixaram mensagens de protesto no site do canal BBC, que produz a série em parceria com corporação Showtime.

Não existe um único episódio em que Jonathan Rhys Meyers (de “Match Point”, de Woody Allen) não passeie diante da câmera praticamente nu. Por outro lado, convenhamos, liberdades históricas à parte, ninguém acredita mais que as cortes européias passavam o tempo todo tomando chá e discutindo amenidades. Ninguém espera que uma encenação do passado reproduza todo o contexto da época. Mesmo porque uma peça grega reencenada tal qual foi concebida, na atualidade, nos faria perder alguns dias no teatro. A noite americana, introduzida pelo cinema, acabou sendo incorporada pelas artes cênicas contemporâneas. A noção de tempo mudou, e é irrecuperável, nós pertencemos ao speed world, à sociedade dos segundos, da banda larga.

A maioria acusa The Tudors de ser um produto “americanizado” e de distorcer fatos históricos, além de abusar de cenas de sexo desnecessárias para a trama. As queixas foram corroboradas pelos acadêmicos e pesquisadores da época. Apesar de se passar no século XVI, The Tudors já deu furos ao mostrar objetos modernos – como uma fita métrica de metal usada pelo alfaiate do rei -, ruas asfaltadas e carruagens da Era Vitoriana, do século XIX. Para piorar, Rhys Meyers é irlandês, e tem uma beleza andrógina. E a série vem recheada de cenas em que nobres da corte seduzem jovens rapazes. Certamente, o papel de Meyers acentua exageradamente a virilidade do rei, representado como um amante sofisticado, quando dificilmente se poderia imaginar uma mulher que ousasse dizer não a sua Majestade. Além disso, na vida real ele era bem mais velho do que Bolena.

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Os telespectadores ingleses, entretanto, nunca pareceram se importar com as estilizações de Amantes Apaixonados, que teve 13 indicações ao Oscar, baseado no premiado roteiro de Marc Norman e do dramaturgo e cineasta Tom Stoppard, ou ainda de “Elizabeth”, que teria uma seqüência, brilhantemente interpretada por Cate Blanchet, com toda a sensualidade a que tem direito, em roteiro do mesmo autor do seriado, Michael Hirst. A série dos Tudors, exibida pelo canal People and Arts, na televisão paga, mostra atualmente no Brasil os episódios que conduzirão Ana Bolena, interpretada pela atriz Nathalie Dormer, ao cadafalso. A terceira temporada irá mostrar os casamentos do Rei com Jane Seymour e Ana de Cleves – a atriz Anita Briem e a cantora Joss Stone já foram escaladas para os papéis. Segundo boatos, uma quarta temporada estaria descartada, por decisão do ator principal. No Brasil, a segunda temporada de The Tudors é exibida nas noites de quinta-feira, às 22h, pelo canal People+Arts.

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[+] Luiza Lusvarghi graduada em Letras e em Jornalismo, mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Como pesquisadora, dá ênfase aos Estudo dos Meios e à Produção Mediática. Atualmente, é bolsista de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde realiza pesquisa sobre estratégias globais de comunicação para a mídia regional no Nordeste.

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