João Gilberto moldou o imaginário da música brasileira

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João Gilberto é um desses raros artistas que acabam incorporando em sua música parte do imaginário de seus países. Ao mesmo tempo, o clima, as idiossincrasias, o charme, os amores, dramas e imperfeições desses locais de origens são combustíveis para seu processo criativo. Cantor e violonista baiano, morto aos 88 neste sábado (6), ele ajudou a popularizar a Bossa Nova, gênero do qual é tido como um dos fundadores.

Mas ele foi bem mais que isso. Sua música, ou melhor, sua cadência e modo de tocar, ajudaram a moldar um estilo muito próprio que chegou a ser sinônimo de um ideário de música brasileira. Sua gravação de “Chega de Saudade”, música de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, de 1958, teve um impacto enorme (e até agora não superado) na música brasileira.

Lançado como um single de 78 rotações, o disco elevou a popularidade de João Gilberto e destacou um estilo até então inédito – e que influenciaria diversos músicos nos anos seguintes. O ritmo contagiante da canção tinha complexidade sonora e uma letra que tinha uma poética romântica que fugia do óbvio. Mas foi a interpretação de Gilberto que uniu tudo isso e transformou em algo revolucionário.

Sua genialidade foi tornar algo simples, de fácil comunicação, mas, ao mesmo tempo com bastante sofisticação harmônica. E fez isso com charme e sabor que o transformaram em uma figura carismática e popular no mundo todo.

O LP – também batizado de Chega de Saudade – foi lançado em 1959 e é tido hoje como um dos discos mais importantes da música brasileira. Foi responsável por moldar um imaginário que ainda perdura na atualidade. O estilo, depois batizado de Bossa Nova, foi aperfeiçoado nos álbuns seguintes, O Amor, O Sorriso e a Flor, de 1960 e João Gilberto, de 1961.

A vanguarda musical de João Gilberto logo tornou-se um fenômeno internacional. Descoberto por músicos norte-americanos, ele até hoje é bastante tocado (e imitado) em diversos países, sobretudo nos EUA. O álbum Getz/Gilberto, de 1964, foi um sucesso incrível de vendas e ajudou a tornar sua música ainda mais conhecida.

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“Chega de Saudade”, o primeiro disco. (Divulgação).

“A arte de João Gilberto é apaixonante, revolucionária: sua maneira moderna de tocar o violão, que foi ele mesmo quem criou; assim como inventou toda a bossa nova, da qual ele é o pai. Muita gente deve ao João seu trabalho, sua carreira e sua maneira de fazer música”, escreveu Elza Soares, em 2018, na Folha de SP. Além dela, nomes como Gal Costa, Caetano Veloso e muitos outros também tinham JG como ídolo e influência.

Mesmo já famoso e estabelecido em seu estilo, João Gilberto seguiu em busca de inovações harmônicas para o seu repertório. Amoroso, de 1977, apostava em uma orquestração mais detalhada em um trabalho feito em conjunto com Claus Ogerman. É um dos trabalhos mais complexos, mas, ao mesmo tempo, um dos mais delicados já feitos na música brasileira (neste disco tem faixas como “Wave”, “Triste” e “S Wonderful”, e é um dos meus favoritos da discografia de JG).

Tido nos últimos anos como um autor excêntrico que faltava a shows e reclamava do barulho do ar-condicionado, João Gilberto tinha plena noção da importância do seu trabalho. Talvez por isso nunca desse atenção a atitudes comezinhas. Estava totalmente deslocado desses tempos de likes, stories, memes entregues via WhatsApp e outras coisas vis. Sua morte no Brasil de 2019 é emblemática do saudosismo de um Brasil melhor.

Recluso nos seus últimos anos de vida e com a saúde precária, João Gilberto aproveitava as pequenas coisas da vida nesses seus últimos momentos. Seu aniversário de 88 anos na semana passada foi organizada por sua neta, Sofia, com quem gostava de passar horas conversando, de mãos dadas. Ela organizou tudo e preparou brigadeiros.

A obra de João Gilberto, essa mesma que trouxe a música brasileira a um outro patamar estético, se estende por 13 discos de estúdio, quatro ao vivo e inúmeras coletâneas, todas disponíveis online.

Preparamos uma playlist com suas músicas mais representativas. Obrigado por tudo, João.