Joana Coccarelli: A revisão do português será a internet da língua falada

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Há tempos imagino como alunos do ensino médio de hoje lidam com gramática, vocabulário e ortografia em tempos de internet. Minhas suspeitas se confirmam. Livre tradução de artigo do site americano Newsday:

Professores dizem que abreviações de mensagem-texto confundem estudantes

Existem três letras que fazem Jeff Littwin tremer quando ele dá notas em trabalhos. A garotada “faz um comentário personalizado e coloca ‘LOL’ no trabalho”, diz ele, professor de inglês na Roosevelt High School. A abreviação para “laughing out loud” comumente segue piadinhas quando a juventude de hoje se comunica por meio celulares e mensagens instantâneas pela internet. Littwin e outros educadores de Long Island dizem que a rápida e casual escrita está penetrando a expressão acadêmica dos estudantes. “Tudo é abreviado”, diz ele. “Nada começa com maiúscula. A ortografia é horrível. Não há vírgulas, não há ponto final”.

De vinte provas, o professor Phillip Cicione, da Commack High School, diz que seis ou sete contêm erros como simplesmente usar a vogal “u” ao invés da palavra “you,” ou um “i” em caixa baixa para o pronome “I”. Jennifer Motl, professora da Bay Shore High School, tem visto tarefas de casa com a abreviação “BFFN,” atalho para “best friend for now”, o numeral “2” para “to” ou simplesmente “b” para “be”. Cicione disse que começou a notar tais erros há seis anos atrás. “Eu olhava para um trabalho de casa e via muitas dessas abreviações”.

Kalli Braunstein, 15, veterana da Half Hollow Hills High School East, disse que às vezes ela não consegue evitar a inserção de gírias eletrônicas nos trabalhos da escola: “Eu sei que algumas vezes abrevio palavras acidentalmente numa prova”, disse. “Eu simplesmente não penso nisso”. A escorregada mais comum, confessa, é escrever “cuz” ao invés de “because”. Ela também tende a substituir “s” por “z”, apenas porque é a moda do texto. Braunstein, que admite trocar mensagens instantâneas com pelo menos 45 pessoas diariamente, diz que sua professora se irrita quando as particularidades do texto eletrônico escapam para os exercícios da escola. “Ela tira pontos. Ela escreve, “podemos usar palavras de verdade?”

Kimmy Lopes, 14, caloura da Mineola High School, enviou 3.700 mensagens via Blackberry em maio. Ela diz que raramente usa abreviações ou gírias em suas mensagens instantâneas: “Não quero pegar o hábito. Meus amigos me acham estranha porque eu escrevo a coisa toda”. Educadores enxergam o valor das formas modernas de comunicação eletrônica, mas reiteram a importância de separar a escrita formal de mensagens enviadas a amigos. “Por outro lado, às vezes, quando você dá a eles a oportunidade de se expressarem pelas convenções que julgam mais confortáveis, é possível encontrar respostas muito interessantes”, diz Cicione. Ocasionalmente, ele dá tarefas como criar uma página de Facebook para o protagonista do livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, Holden Caulfield.

Theresa McGinnis, professora-assistente de Literatura na Hofstra University, acredita que os professores precisam reconhecer como a tecnologia está mudando a comunicação. Erros da linguagem de mensagens instantâneas devem ser usados como oportunidades para “falar sobre público e propósito. A maior parte dos adolescentes dirão que sabem que existe uma diferença”.

Para Littwin, mensagens de texto marcam uma lacuna de gerações. Seus estudantes enviam mensagens eletrônicas com tanta freqüência que ele tomou sete aparelhos na última terça. “Eles são tão hábeis que fazem tudo por debaixo da mesa, sem nem precisar olhar pro teclado”, diz. “Eu sou old school. Se eu recebo uma chamada, ligo assim que for possível”.

A revisão ortográfica da língua portuguesa entraria para a vanguarda se absorvesse os equivalentes nacionais do artigo acima. Ao invés disso, e para meu completo mau-humor, se ocupou em limar o acento agudo em ditongos, acentos circunflexos diversos e tremas. A princípio não pretendo me adaptar, mas sabe como é, eu também era uma dessas que resistiu às abreviações internéticas por bastante tempo e escrevia e-mails e chats no mais inteiriço português. A diferença é que, na instantaneidade da cybercomunicação, bjs é realmente mais negócio que beijos, enquanto heróico é de fato muito mais passível de acertos fonéticos do que heroico – a tendência será pronunciar heroíco, sobretudo para pré-alfabetizandos e para os semi-analfabetos. Será que, assim como passamos a ortografar textos de novas formas, a falta de acentuação prevista pela revisão ortográfica provocará novos hábitos fonéticos no futuro?


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[+] Joana Coccarelli é jornalista, autora do blog Narghee-La e idealizadora do Coccarelli.art, coletivo de artistas, blogueiros e escritores. Escreve nesta coluna sobre estética, design e moda.

joana@revistaogrito.com.

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