Janela de Cinema 2013: O que nos atrai e nos assusta em Um Estranho no Lago

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Longa traz cenas explícitas de sexo e trabalha o ambiente como parte da trama (Divulgação)
Longa traz cenas explícitas de sexo e trabalha o ambiente como parte da trama (Divulgação)

O ótimo Um Estranho no Lago traz sexo e suspense para um cenário paradisíaco de pegação gay

Por Alexandre Figueirôa

A tradução dada ao título do filme francês L’Inconnu du Lac – no Brasil intitulado Um Estranho no Lago – desvirtua de forma canhestra o sentido sugerido pelo cineasta Alain Guiraudie ao fio condutor de sua história, ambientada num local de encontro entre homens que gostam de fazer sexo com outros homens. O filme, que se passa em um lago no sul da França durante o verão, flagra uma pequena praia frequentada por homens que vão até lá para tomarem sol despidos, nadar e terem encontros fortuitos no bosque que circunda a praia. A maior parte deles são desconhecidos que preferem transar mantendo o anonimato e não estão interessados em relações duradouras. Portanto, não são estranhos, bizarros ou esquisitos, apenas pessoas que não se conhecem. O desconhecido não é um, mas praticamente todos os protagonistas da trama.

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L’Inconnu du Lac é um filme surpreendente com uma trama densa e marcada por uma tensão constante ambientada num cenário paradisíaco. Ela gira em torno de três personagens que se relacionam nesse micro-universo de desejos complexos, onde tudo é mostrado com naturalidade, desde as conversas prosaicas entre eles até as cenas de sexo praticadas nas veredas e clareiras do bosque. Franck (Pierre Deladonchamps) é um rapaz bonito que adora nadar na água fresca antes de ir caçar parceiros entre as árvores. Numa dessas idas ao lago ele trava conhecimento com Henri (Patrick d’Assumçao), um homem de meia idade, gordo, que nunca se despe e nem mergulha. Ao mesmo tempo ele avista Michel (Christophe Paou), um jovem moreno de aparência máscula por quem ele fica interessado e passará a trocar olhares ardentes, embora o alvo de sua conquista já esteja acompanhado.

Franck costuma ficar até o entardecer na praia e numa tarde, já na hora do crepúsculo, do meio das árvores ele avista Michel no lago com o namorado. O que no inicio parece ser uma brincadeira entre os dois se transforma em uma ação violenta e Michel mata afogado seu parceiro. Testemunha do crime, Franck, no entanto, não denuncia o assassino e acaba se tornando amante de Michel. A relação entre eles é intensa e apaixonada, mas Michel não quer envolvimento além das tardes passadas no lago. Quando o corpo do jovem afogado é descoberto, a polícia passa a investigar o caso entre os frequentadores da praia e a partir daí a história sofre uma reviravolta, ganhando contornos de filme de suspense. Um jogo de meias palavras, de excitação entre sexo e violência, vai se adensando, culminando com um final inesperado envolvendo o taciturno Henri e o casal de amantes.

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Guiraudie conduz esse teatro a céu aberto de forma precisa sem fazer concessões moralizantes e nem se escondendo atrás de um falso pudor. Seus personagens agem com naturalidade e a câmera se aproxima deles com a mesma intensidade dos corpos que se buscam nas margens do lago. Ele organiza as sequências de modo a dar ao espectador a sensação de um ritual que se repete todos os dias tendo Franck como condutor. De um mesmo ponto de vista, ele mostra os carros estacionados nas margens da pequena estrada de terra, o rapaz chegando na praia, o encontro e conversa com Henri, a chegada de Michel, a transa entre eles e a despedida. E aos poucos vai introduzindo elementos que marcam as mudanças decorrentes da nova situação que se instala onde amor e morte passam a andar lado a lado.

Também é interessante a forma com que o filme dá uma funcionalidade à paisagem. O lago e seu entorno não são apenas o local onde a história acontece. A superfície cristalina da água refletindo as diversas tonalidades da luz solar no decorrer das horas, o vento balançando os galhos das copas das árvores, entram em sintonia com o drama que se desenvolve, um recanto quase onírico abrigando os conflitos perpetrados por Eros e Tânatos. Um lugar à parte do mundo, onde desconhecidos buscam e esperam qualquer coisa na medida em que se entregam por algumas horas a satisfazer seus desejos sem se importar se eles são puros ou impuros e se farão jorrar de seus corpos esperma ou sangue.

Mesmo restrito a um mundo estritamente masculino, L’Inconnu du Lac permite que saiamos de uma situação voyeurista da sexualidade alheia rumo a uma reflexão sobre as carências e angústias do homem contemporâneo. A cena final quando Franck em meio a escuridão da noite que caiu sobre o lago chama por Michel, seu amante e possível algoz, é sintomática da quase incontornável necessidade humana de entender melhor o que nos atrai e nos assusta, o que nos protege e nos destrói.

A estreia em circuito comercial será dia 22 de novembro.

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