Faixa a Faixa: ruído/mm comenta o novo disco Rasura

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Arriscando na nova viagem

Por Renata Arruda

A cultuada banda curitibana de post-rock ruído/mm (leia-se “ruído por milímetro”) está de volta com Rasura, quebrando o jejum de três anos desde Introdução à Cortina do Sótão, terceiro disco do grupo, ambos lançados pela Sinewave.

Produzido pelo baixista Rafael Panke e masterizado por Mark Framer (Galaxy 500, Butthole Surfers), o álbum é descrito como “oito faixas que convidam para uma viagem sensorial” e mostra que a banda formada por Panke, Alexandre Liblik (piano, teclado e escaleta), André Ramiro (guitarra), Giovani Farina (bateria), Ricardo Pill (guitarra) e o recém-chegado guitarrista Felipe Ayres, se sente mais à vontade para experimentar melodias e novos timbres, sem abandonar o tal ruído.

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Conversamos com a ruído/mm sobre o novo álbum, a entrada de Ayres e o sonho de viver de música e, de quebra, Alexandre Liblik ainda preparou um faixa a faixa exclusivo para O Grito!. Para ler, ouvir e viajar.

Poderiam comentar sobre a concepção do Rasura? Algum motivo especial para esse título?

Queríamos um conceito mais direto , menos etéreo e poético, tanto para o nome quando para capa. “Rasura” se encaixou nisso e no conceito de pré-produção e pós produção. Já a capa é feita com as colagens do Mario de Alencar. Acho que tudo foi se encaixando para isso…

Como se deu a entrada de Felipe Ayres na banda e como essa formação tem contribuído para o som de vocês?

Antes do Felipe ir pra fora do Brasil já tínhamos nos reunido e feito declarações de amor (risos), se ele tivesse ficado teria feito o disco conosco. Agora ele voltou e parece que está conosco faz tempo. Ele é um grande músico e tem um universo imaginário muito parecido com o nosso, contribui em tudo, de fato. Esse é um disco que fica grande com três guitarras, mas o Ayres aos poucos está colocando a mão multi musico dele, tocando outros instrumentos.

Na apresentação deste faixa a faixa, o Alexandre Liblik afirmou que a ruído/mm não é feita de “músicos virtuoses” e por isso, precisam confiar mais na própria intuição e subjetividade. Como funciona esse processo de composição para um álbum e preparação de shows entre vocês, como se chega a um consenso, ao produto final?

ruído/mm é uma unidade imaginária. o processo é ruidoso, cheio de clareiras e cantos escuros, procuramos o ohm 1,99. Conexão de sinapses, subjetividades ou qualquer que seja o nome desse estado transitório. Depois que chegamos nisso é só ensaiar, gravar, ensaiar e gravar…

Em entrevista concedida a Na Mira do Groove, Ricardo Pill comentou que “ninguém sabe o que tá rolando”, se referindo a bandas novas. Queria saber, como vocês veem a cena em que estão inseridos, em geral? Alguns músicos indies, por exemplo, reclamam de falta de união ou de apoio entre músicos, que muitas vezes não colaboram uns com os outros e nem mesmo comparecem aos shows. Existe união e interesse no nicho de vocês?

O Thiago havia perguntado se depois de 11 anos o ruído tem mais espaço, o que com certeza tem, mas o que é e onde mora esse espaço que gera a confusão.

Pra mim, cena é interação, onde encontramos um grupo de pessoas que produz “arte” e consome “arte” de forma razoavelmente parecida. Em Curitiba nos encaixamos um pouco mais nisso, trombamos com as pessoas trocamos ideias, vamos a shows. Existe uma troca e um interesse mutuo pelo simples fato que existe frequência de encontro. Quando conseguimos viajar ou trazer bandas de fora isso rola também, mas a frequência ainda é pequena…

Em 2007 o Ramiro trouxe umas 10 bandas de fora do Paraná pra tocarem conosco, entre elas Constantina, Labirinto, Ludovic, Colorir, Hurtmold – isso gera interação. Mas quando você é banda e tem que trabalhar como produtor também o peso é enorme e é aí que falta a estrutura de apoio para bandas com público menor. Produtores, bookers, selos, distribuidores.

Uma declaração que achei curiosa, foi a de Alexandre dizendo que não gostaria de viver de música. Como o restante da banda encara essa possibilidade? Estendendo a pergunta, como é o relacionamento entre vocês? Seria complicado viver exclusivamente como uma banda?

Liblik: Nessa você me pegou, mas não é exatamente um ato falho. Para explicar, terei que desenvolver uma pequena genealogia aqui. Um pensador que gosto muito, o Spengler, gostava muito de ressaltar a diferença que existe entre o produzido e o produzir-se. Acreditava ele que o artista, o criador de fato preocupava-se somente com o produzir-se, pois o produzido lhe vinha naturalmente. Logo, ele (Spengler) não poderia dentro dessa ortodoxia, chamar artista àquele que preocupava-se somente com o produzido – este seria somente um repetidor, um trabalhador qualquer. Usando outras palavras: para o artista, a poiesis, o ato de criação, é mais importante que a praxis, a técnica, a repetição padronizada (mesmo que esta seja artesanal). Ambas são indispensáveis, mas o peso que você põe em cada prato da balança é o que te define. Viver de música, produzir periodicamente e desenvolver como um trabalho, é praxis – há uma necessidade do aceitar-se produto, um produzido que vem ser totalmente dessubjetivado, na maioria das vezes. Isto eu não desejo. Seja como artista ou como ser humano, tornar-me escravo desta lógica do produto que se oferece para o consumo… Não, isto não poderia ser mesmo minha idéia de viver de música, se você me entendeu até aqui. Nós já temos uma vida real, rica, cheia de possibilidades. Aonde a música entra então? Na experiência de tocar e compartilhar. Não há nada mais glorioso que isto.

P.S: Excursionar seria maravilhoso, mas somente enquanto possibilidade de produzir-se, ou seja, como vida real e não ilusão.

É isto que o ruído já faz. É uma experiência de vida.

O que o Rasura representa para vocês?

Err…mais um chute na porta pra ver se ela ainda tá viva.

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Site oficial: http://www.ruidomm.com/

Por Alexandre Liblik (piano do ruído/mm)

O ruído/mm é uma banda instrumental, formada por não-músicos. Com este paradoxo nosso trabalho é, portanto, fruto de muito esforço para compensar nossas dificuldades técnicas, afinal não somos músicos virtuoses.

Isto nos traz uma vantagem pelo menos: precisamos confiar mais em nossa subjetividade e intuição, visto que não dominamos a práxis instrumental.

O disco começa com

– BANDON: Sempre acho que o ruído tem mais em comum com bandas que fazem canções do que bandas puramente instrumentais. Deve ser este jeito peculiar de contar histórias, em que procuramos alternar percepções sutis com emoções intensas, às vezes encontrando o banal e o tédio, entrecruzando com o sublime como na vida, no que inevitavelmente nos leva ao épico e suas conclusões, sejam trágicas ou patéticas.

É uma marca registrada do ruido/mm, que já aparece em discos anterior. Os elementos tribais – DNA de índios eletrônicos – aparecem e desaparecem, mas na verdade, sempre estão lá. O convite à participação coletiva – ritualística – é um objetivo assumido da audição de um disco que não contém… palavras.

Neste sentido do significante sem palavras, pergunto: o que quer dizer “bandon”?

– ELETROSTÁTICA: Dentre os elementos que encontramos na “produtificação” das coisas, temos esta necessidade de catalogar tudo. O ruido/mm está no catálogo do post-rock, afirmam. Eletrostática é uma música que utiliza estes elementos do post-rock, como que aceitássemos este rótulo em algum momento. No fundo, tanto faz – é um tipo de rock.

– CROMAQUI: A Música [no sentido geral, enquarto arte] perdeu muito da sua capacidade de prender nossa atenção a partir do momento em que passamos a obrigatoriamente agregar palavras e/ou imagens, desvirtuando a pureza da experiência musical, muito mais apropriada para descrever o nosso inconsciente, o insondável, o indizível. Em um mundo soterrado por imagens, palavras – data, como os modernos gostam de falar – torna-se praticamente impossível sermos tocados pela música “produto”, que é técnica pura, uma práxis irretocável mas absolutamente tediosa, que não deixa espaço para as nossas próprias impressões subjetivas sobre o obscuro que permeia o Real. Cromaqui fala com o fígado, não com o cérebro e é curiosamente a música mais “rasurada” do disco.

– TRANSIBÉRIA: Depois de um começo intenso, sentimos a necessidade de uma pausa no meio do disco, para que as pessoas pudessem respirar. A partir daqui, até onde a música poderia nos levar? A experiência da existência – esta “istigkeit” de Mestre Eckhart, mística, insondável – pode ser traduzida com a música? Ou ainda, a música poderia nos levar por esta experiência, como num trem em que viajamos de olhos fechados?

– INCONSTANTINA: Somos curitibanos. Os malevolentes afirmam que curitibanos são provincianos que querem se crer cosmopolitanos. Eu acredito que mais corretamente sejamos cosmopolitanos com uma nostalgia melancólica da vida provinciana. Mas cosmopolitano aqui é uma forma de adjetivo negativo: na falta de uma tradição, somos conectados com o contemporâneo e o vazio nostálgico desta falta. Não temos a tradição do samba ou do frevo para dar dois exemplos, por aqui. Só poderíamos recriar a música dita brasileira, com um certo distanciamento, uma frieza de quem não tem esta ginga no corpo, o que seria um pastiche, uma mentira. Logo, o nosso jeito de dizer as coisas, a nossa tradição, está para ser inventada. Inconstantina é uma forma de jogarmos com estes elementos ritmicos e musicais que não temos como religião – o que nos deixa à vontade com a brincadeira.

– FILETE: O ruído é uma banda de rock. Gostamos de guitarras. Nossas influências, que são tantas, convergem para este rock garageiro, noise e shoegaze. Se por um lado, eu ache que é a faixa do disco que mias se aproximaria do que pode ser chamado de “convencional”, gosto muito do fato de ser autêntica e extremamente representativa do que ouvimos e gostamos no ruído/mm. Se o rock é diversão, filete é diversão, como diria nosso filósofo-baterista, o Giva.

– REQUIEM FOR A WESTERN MANGA: Se alguma música pode ser chamada de programática neste disco, é essa. É a nossa trilha de filme. Como nos filmes do Sergio Leone, é uma mistura do humor (bom e mau), do trágico e do patético. Morricone na veia. O tempo aqui é pretensamente bergsoniano – tem uma duração no seu início, tal qual uma caminhada no deserto; as coisas vão acontecendo e a percepção do tempo muda, de forma que ao final a história faça sentido mesmo que dure 8 ou 15 minutos.

– PENHASCOS, DESFILADEIROS E OUTROS SONHOS DE FUGA: Eu sempre desejei pessoalmente que o ruido tivesse uma lado mais lírico, mais bonito. Uma das coisas boas é que todos ouvimos muito Mercury Rev, Sigur Rós, Radiohead, Grandaddy na vida – referências um pouco diferentes do post-rock esperado. Aqui, os efeitos nas vozes e o theremin se confundem de maneira a criar um estado de espírito adequado para este grand finale, que poderia ser uma canção poderosa com palavras vazias, mas que preferimos manter somente como uma canção sem palavras.

Desejamos uma boa viagem a todos.

SOUNDCLOUD: https://soundcloud.com/ruidopormilimetro/sets/rasura