Especial Hip Hop 2013: Yeezus, de Kanye West

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Novo trabalho de Kanye causou ainda mais espanto que seu trabalho anterior, ainda que não o supere (Divulgação)
Novo trabalho de Kanye causou ainda mais espanto que seu trabalho anterior, ainda que não o supere (Divulgação)

MENOS COR, MAIS QUEM
Yeezus, disco novo de Kanye West, mostra um artista primal, raivoso, pura navalha na carne e sangue escorrendo

Por Maurício Angelo

Kanye West construiu uma discografia bem idiossincrática no mainstream do hip-hop americano. Um enorme senso de marketing pessoal com batidas processadas no caldo da esperteza – “Stronger”, “Heartless” e “Power” são ótimos exemplos – e rimas não exatamente fáceis, mas com um “flow” próprio. Outro mérito foi sempre escolher bem os associados (por motivos de música, marketing ou ambos): Jay Z, Lauryn Hill, Jamie Foxx, Burt Bacharach, Mos Def, T-Pain, Lil Wayne, Bon Iver e tantos outros.

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Então você está lá no topo da coisa toda, com poucos rivais diretos, dada a pobreza sonora e conceitual que o mainstream anda oferecendo. E aí Kanye lançou My Beautiful Dark Twisted Fantasy, o ápice da sua grandiloquência, pretensão, megalomania e o diabo. Um álbum com 70 minutos, mais de 40 nomes envolvidos na produção, participações, composição, etc, dezenas de instrumentos diferentes. Uma obra de respeito, diga-se.

Porém o hip-hop alternativo e underground conquistou, de 2010 pra cá, os holofotes como há muito não conseguia. Batidas literalmente experimentais, quebradíssimas, bases ultra pesadas e a raiva legítima expressa na metralhadora verbal mais ácida.

Death Grips, Cunninlynguists, Clipping, Aesop Rock, EL-P, Ab-Soul, Schoolboy Q, e em menor grau, Killer Mike e OFWGKTA, todos chegaram adicionando um pouco mais de “”””caos””” na mistura, com mais ou menos talento e qualidade, enquanto Kendrick Lamar e Frank Ocean flertaram com um público maior. Yeezus é um interessante contraponto à megalomania de My Beautiful Dark Twisted Fantasy. Em vez dos delírios de grandeza e “complexidade rococó”, uma pegada e uma verve muito mais crua e direta, seca. Em vez dos trocentos convidados que serviam mais como muleta que parceria, apenas Kanye e seus demônios.

As músicas não parecem em nada com o que Kanye tenha feito. Ele está menos preocupado em animar pistas de dança do que cuspir na cara de quem ele acha que merece.

Então, em “Black Skinhead”, ele chega com o pé na porta: “So follow me up cause this shit ‘bout to go (down)/ I’m doing 500, I’m outta control (now)/ But there’s nowhere to go (now)/ And there’s no way to slow (down)/If I knew what I knew in the past/I would’ve been blacked out on your ass”.  É dessa maneira que Kanye se desvencilha da persona de “diva intergalática” de “Graduation” e do “rapper vanguardista” de MBDTF. O clip interativo de “Black Skinhead”, não por acaso escolhida como primeiro single, é sintomático.

A música, em si, não se parece muito com nada que Kanye tenha feito antes. E o tom dessa trinca de abertura do disco, se considerarmos “On Sight” como um aviso, é claro: batidas primais, gritos desesperados, pausas e ritmo bem marcado, a música respira apenas pra voltar como um direto na cara, é Kanye canalizando sua raiva para a boa música, menos preocupado em animar pistas de dança do que cuspir na cara de quem ele acha que merece.

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É isso que “Black Skinhead”, “I Am God” e “New Slaves” nos mostram. A sua egolatria, claro, continua firme, devorando tudo e todos à sua volta, conceitual e musicalmente. É assim que West gosta de fazer, é assim que ele se sente em casa. Mas aqui sua pretensão vem em pequenas explosões e harmonias tortas, quebradas, um fluxo bem mais soturno, ameaçador e envolvente. Ao invés da capa cheia de cores e referências, só a imagem de um CD, virgem, comum. Em vez dos 70 minutos do disco anterior, Yeezus tem apenas 40 minutos de duração, quase a metade.

E é na busca dessa aparente simplicidade e concisão que Kanye encontra seu melhor. É navalha na carne, é sangue escorrendo por todos os sulcos. É “Hold My Liquor” e seu flerte com o industrial, suas camadas que se sobrepõe e conversam entre si, criando uma parede sonora interessantíssima.

O bagulho segue muito bom com a pedrada de “I’m In It” e especialmente “Blood On The Leaves” e a presença marcante do sampler de “Strange Fruit”, de Nina Simone. “Guild Trip”, com Kid Cudi, é a mais “espacial” do disco, no máximo que o termo possa ser usado aqui, com pinta de música pra festejar um baile em algum lugar etéreo e desconhecido.

Infelizmente “Send It Up” e “Bound 2” são peças menores, puxando o disco um tanto pra baixo com suas bases agudas e repetitivas. Yeezus, no entanto, crava seu lugar entre os melhores do ano e certamente figura no top 3 da discografia de Kanye. Um cara que, com toda sua afetação e suas limitações, é capaz de entregar sempre algo diferente, fugindo de soluções fáceis e correndo riscos.

Download: Mixtape com os samplers de Yeezus.

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Yeezus
[Roc-A-Fella/Roc Jam, 2013]

Nota: 9,2