Entrevista: Laura Finocchiaro

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SEM PAPA NA LÍNGUA
Por Alexandre Figueirôa

A cantora e compositora Laura Finocchiaro está com um novo disco nas ruas. Lauras é o quinto álbum de sua carreira cujo início se deu nos anos 1980 em São Paulo, quando surpreendeu a cena musical brasileira pela sua versatilidade e capacidade de trabalhar ritmos tão diversos quanto o rock, o samba, o funk, a bossa nova e a música eletrônica, mas com uma inconfundível marca autoral.

Por ser uma produção 100% independente, o novo disco ficou pronto em 2008, mas ela continua lançando este trabalho sempre que surge uma oportunidade. Recentemente ela esteve no Recife onde fez um pocket show (apenas voz e violão) na Livraria Cultura e lá pudemos conferir de perto o que esta gaúcha anda aprontando. Conversar com ela é como ouvir suas canções. Laura diz o que pensa e sem perder a doçura mostra ser um espírito independente e que acredita no que faz.

Lauras, por isso, é uma espécie de síntese da artista onde ela consegue o perfeito equilíbrio entre o acústico e o eletrônico. Laura não segue rótulos e as músicas do álbum tanto abraçam a bossa-lounge quanto o psico-rock, mas sem perder a pegada pop. Entre as canções destacamos a inédita “Lauras”, com letra do jornalista pernambucano radicado em São Paulo, João Luiz Vieira, a regravação de “Frases”, de Jorge BenJor e “Oração”, uma das mais belas faixas, composta em 1982 com uma das suas parceiras mais fiéis, Leca Machado e já vista no disco OI, de 2003.

Neste papo com a Revista O Grito! ela mostra que vive agora um momento em que sua obra pode se definir como “mais música para a alma”. Conta sobre os projetos futuros, do seu trabalho como produtora musical para televisão, da sua militância no movimento Gay e não deixa de dar umas estocadas no mercado musical e, claro, fala do que mais lhe toca o coração: música.

O GRITO! Sua fase atual é menos rock e mais suave do que há alguns anos. O que te inspirou ou motivou a essa mudança?
LAURA FINOCCHIARO – Em primeiro lugar, um novo amor que me proporcionou um re-encontro com algo verdadeiro e profundo, que me fortificou e restabeleceu, restaurou minha autoconfiança, meu amor-próprio. Em segundo lugar, a percepção do momento atual, do caos instaurado no mundo. A fina e clara percepção da banalização da música eletrônica e de todos os subgêneros de música. A percepção do excesso de barulho e pouco estudo, criatividade, inovação, pouca autenticidade, tanto na música quanto no discurso.

Como foi o processo de produção do álbum?
Como sempre, 100% independente, partindo do apoio e da motivação recebida pelo músico-baixista Celso Pixinga, que acabou co-assinando a direção musical do novo projeto sonoro. Fundamental também foi o apoio de Ney Marques, o dono do estúdio Flautim, que acreditou no projeto e facilitou o pagamento, além de tocar em algumas faixas. Além disto, essencial foi a disposição dos músicos que toparam – com toda tesão necessária – gravar sem receber pelas horas executadas, acreditando no projeto. Esta energia – do amor e da confiança – foram os ingredientes fundamentais para o tempero desta produção musical assinada por meu selo, Sorte Produções.

Quanto à questão musical, foi um processo de pesquisa em meu próprio repertório, uma vez que vários temas – que eu já havia cantado ao vivo e até mesmo gravado – já estavam com uma nova roupagem, devido esta nova linguagem, mais acústica do que eletrônica. Por isto, resolvi ir fundo em meu baú de composições – uma vez que estou celebrando meus 26 anos de carreira – e acabei selecionando alguns temas que considero fundamentais em minha trajetória musical, bem como outros inéditos.

A faixa que dá nome ao Cd, “Lauras”, foi escrita por um jornalista amigo, João Luiz Vieira, que nunca havia escrito uma letra de música antes, mas tomou coragem, quando eu encomendei algo e de fato, foi a pedra fundamental para a realização deste CD.

Com 26 de carreira e o título de “mãe da música eletrônica” no Brasil, você ainda acompanha o que está sendo feito na música pop atual?
Sim, é claro. Ouvidos, coração e olhos atentos sempre. Sempre conectada com o mundo, para não envelhecer e embotar dentro de suas próprias ideias. Mas mesmo assim, não sigo ninguém, apenas a “voz que vem do coração”, como diz a letra da canção “Oração”, escrita por minha mais contundente parceira, a gaúcha Leca Machado!

Tem seguido alguma cena ou artista em particular?
Estou mais para o que é clássico do que para o moderno. Acho que a globalização e o espírito midiático esvaziaram a qualidade e a criatividade, sendo assim, prefiro escutar os grandes mestres, desde o rock progressivo, passando pela boa fase da disco music (anos 70) e da cena eletrônica dos anos 80 e 90, chegando ao clássico mesmo, os grandes compositores como Beethoven e Debussy, sempre antenada para o pop rock produzido em Londres e no nordeste brasileiro, local onde ainda existe muita originalidade e coragem nas produções.

l 80cc3505cc49478c84c3d940058d7c07Depois de criar um selo próprio, pelo qual saiu o Lauras, como você encara o mercado fonográfico nacional. Fora todos os pontos negativos que já conhecemos, existe algo sendo feito para mudar o panorama das coisas?
Desde 1991 acompanho a falência do modelo das gravadoras. Em 1998, fundei meu próprio selo, Sorte Produções, para assumir de vez minha postura independente, impaciente e irreverente de fazer as coisas. Desta forma, consegui lançar O CD Ecoglitter, que estava concebido e gravado desde 1996, mas nenhuma gravadora se interessava pelo projeto. Para dar vazão às minhas próprias ideias e não depender desta indústria corrupta, eu resolvi seguir fazendo do meu jeito, produzindo tudo de forma independente, com a muita fé e garra.

Quanto a um novo panorama, vejo na Internet uma possibilidade de escoamento de novas ideias, apesar de ver que a internet já está dominada pelas grandes marcas, bem como já está caindo nas “garras” da medíocre indústria do entretenimento… mas, ainda assim, não consegue concentrar o poder, ainda não está repetindo as mesmas listas de música no dial…então ainda resta uma esperança para a cultura independente mundial.

Além de compositora e cantora você tem realizado trabalhos na área de produção musical como, por exemplo, a direção musical de programas e telenovelas do SBT. O que da Laura autora é possível levar para este tipo de trabalho mais comercial?
Como estudo música desde os 9 anos, aos 17, pude me dedicar aos estudos de tecnologia musical, o que possibilitou e ampliou meu conhecimento e meu universo de atuação profissional. Com este suporte de conhecimento, pude desenvolver meu lado de criadora e compositora de trilhas instrumentais, além do lado de produtora, instrumentista, arranjadora e pesquisadora musical.

De 1980 para cá, passei por vários modos de produção. Do gravador de duas pistas – com fita rolo -, passando pelo gravador de 04 canais, com fita K7, pelo gravador de 24 pistas e finalmente, entrando na era digital, passando pelo sistema de gravação digital, em fitas DAT, MD e softwares específicos para música, gravando e mixando digitalmente.

Desenvolvo esta função – de criar e sonorizar uma imagem – desde quando comecei a compor em 1982. São nestes trabalhos, principalmente quando componho para teatro, filmes ou desfile de moda, que posso desconstruir o formato da canção, chegando a novos caminhos sonoros, desenvolvendo uma linguagem nova. Já para a televisão, os limites de criação são mais largos… . Existem muitos interesses comerciais, mas sempre acabo descobrindo uma brecha e acabo conseguindo deixar a minha marca, com criatividade e autenticidade, mas acho lamentável que os meios de comunicação formais – rádios e TVs – sejam tão comprometidos e dependentes de marcas e patrocinadores, o que impede a verdade na transmissão das idéias…, tornando a comunicação descartável e mentirosa.

Você é um ícone do movimento GLS sendo uma militante engajada e com posições firmes em torno de questões referentes ao movimento.
Na verdade, me engajei por pura inocência, resultado de minha autenticidade. Por ser verdadeira, dei a impressão de ser engajada. Mas, nunca pensei nisso… odeio bandeiras e guetos. Grupos e ideias unânimes. Para mim, nunca tive problema em assumir minha bissexualidade – com mais tendências a homossexualidade – pois desde que percebi esta “tendência” ao “babado”, consultei logo meu coração e quando percebi que era um sentimento verdadeiro, me permiti viver, sem dramas, expondo meus sentimentos e não escondendo. Com certeza, esta forma de agir fez de mim, uma pessoa com muita personalidade, refletindo em minha música e minhas posições políticas e com certeza, por causa dela, tive coragem de encarar o movimento – que estava bem no inicio – éramos 1500 na praça da República e quando vi que nenhum artista encarava, resolvi ajudar o movimento, participando de todas as paradas, colocando minha voz e minhas habilidades musicais em serviço da causa da diversidade e do respeito pelo outro. Mas, ao chegarmos em um milhão nas ruas, me retirei do movimento, pois percebi que algo havia mudado… que o bussiness em torno do pink money era maior do que as convicções humanas, tornando-se em algo extremamente político, como um palco para a projeção de políticos e grupos interessados em se promover, independentemente da real causa: o amor que alimenta o espírito e respeita a diversidade.

Como você vê o papel do artista nestas lutas?
Vejo que a maioria dos artistas esconde suas posições e opiniões quando se trata de assuntos polêmicos, até hoje. Infelizmente. A maioria dos ditos “artistas” rende-se ao sistema e acredita nele, tornando-se dependente do sistema, que impõe padrões rasos de comportamento.

Vejo que muitos artistas se escondem por trás de falsas imagens por medo de perder emprego, e entram no pacto – vergonhoso – de silêncio e aceitação destes valores impostos.

Em tempo: entendo que assuntos íntimos são íntimos, mas acho muito covardia – em pleno século XXI – fingir ser algo que não se é. Tenho certeza que é por esta falsidade generalizada, que estamos vivendo a falência do mundo, numa crise globalizada.

Acho lamentável que os artistas não se coloquem verdadeiramente. Se isto acontecesse, com certeza, o mundo seria outro.

A tua música reflete de alguma forma teu posicionamento? De que forma?
100%. É quando estou em ação – compondo, criando, tocando e cantando – que fico inteira! É quando todas as “LAURAS” se reúnem para “fazer a festa”! É quando meu mundo brilha! Quando expresso tudo o que sinto, sem a interferência de nada, de ninguém. É quando fico livre e sinto o amor vindo e indo, transitando livremente… Musicar é tudo para mim! E assim, nas harmonias, nas melodias, nos ritmos e nas letras, é quando coloco toda esta emoção e finalmente deixo minha marca, meu posicionamento é fixado.

Quais são os projetos pessoais na área da música que você está realizando no momento?
Além de seguir estudando música na faculdade de Música Santa Marcelina – FASM seguirei em pleno movimento de lançamento deste novo CD, Lauras.

Lauras saiu da fábrica em setembro de 2008, mas como sou 100% independente, necessito de muito tempo para conseguir divulgar – nos diversos meios de comunicação – e colocar o produto no mercado. No limitado e invisível mundo dos independentes, por falta de verba e patrocínio, não conseguimos fazer uma campanha de lançamento conectada – rádio + tv + mídia impressa + mídia virtual + distribuição e colocação no mercado – sendo assim, seguirei apresentando o show LAURAS – solo e com banda – por pelo menos, mais 02 anos. Espero que até lá, o público tenha alguma oportunidade de conhecer ao vivo todas as LAURAS, pois virtualmente, basta entrar em meu site oficial: www.laurafinocchiaro.com.br, ou ainda procurar pelo You Tube, Myspace e sites afins que com certeza vai encontrar algum som meu na rede mundial.

Além disto, sigo me empenhando em atualizar meu site. Acredito ser fundamental na carreira de um artista independente -, para que o público possa conhecer minha carreira – afinal são 26 anos ininterruptos de música, além de mais de 500 canções compostas e 500 trilhas instrumentais produzidas, com mais de 10 programas de televisão realizados (Produção e Criação Musical para o infantil TV Colosso / rede Globo; Produção Musical para os Reality Shows – Casa dos Artistas (3) / SBT; Protagonistas de Novela / SBT; O Conquistador do Fim de Mundo / SBT; Quem Perde Ganha / SBT; Casamento à Moda Antiga / SBT; Direção Musical da novela “Revelação” / SBT; Produção Musical para TV Record)

Além disto, tenho musicado poesias de uma médica / neurologista do Recife, chamada Silvia Laurentino. Na gaveta, tenho um trabalho inédito de poesias de Mário Quintana musicadas por mim, que ainda pretendo lançar em CD.

Para a conclusão dos sonhos de LAURAS, pretendo gravar e lançar um DVD ao vivo. Deixo um beijo de sorte e agradeço muito pela atenção.

Em tempo: Sou a favor da pirataria, pois é desta forma que nosso trabalho – impedido de entrar no grande mercado – pode vir a ser reconhecido. Aliás, o mercado fonográfico não quebrou por causa da pirataria. Quebrou por causa da “putaria” que se criou dentro dele próprio. Corrupção e falta de qualidade. Lamentável!

Para me piratear, basta entrar em meu site e se deliciar copiando as mais de 100 canções e trilhas instrumentais que lá estão armazenadas… Divirtam-se e conheçam LAURAS!

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