Entrevista: Daniel Esteves, autor de São Paulo dos Mortos

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Cena do primeiro volume da HQ. (Divulgação);
Teaser do novo volume de SP dos Mortos. (Divulgação).
Teaser do novo volume de SP dos Mortos. (Divulgação).

Zumbis na vizinhança
Daniel Esteves comenta o desafio de trazer os populares mortos-vivos para o Brasil no novo volume de São Paulo dos Mortos

Daniel Esteves é um dos nomes mais prolíficos nos quadrinhos nacionais. Um rápido passeio por lançamentos importantes nos últimos anos dá uma ideia da produção farta do autor. No momento ele divulga a independente São Paulo dos Mortos Vol. 2, continuação da obra inusitada que colocou mortos-vivos na capital paulista. No final deste mês ele ainda lança um novo livro pela editora Nemo, A Herança Africana no Brasil, em parceria com Wanderson Souza e Wagner Souza.

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Um teaser do segundo volume de São Paulo dos Mortos

Conversamos com Esteves sobre os desafios de trazer ao Brasil uma obra de gênero bastante identificada com a produção pop norte-americana. Apesar da rica herança que temos em narrativa de horror, os mortos-vivos estavam afastados da produção de quadrinhos no Brasil. Enquanto isso séries como Walking Dead (Os Mortos Vivos) e outros títulos fazem bastante sucesso.

“Muitas pessoas que já curtem histórias de zumbis se viram desafiadas ao ler algumas que se passam em seu próprio mundo”, disse Esteves sobre o novo volume lançado recentemente.

Veja a entrevista abaixo:

A temática dos mortos-vivos tomou de assalto a cultura pop nos últimos anos, mas ainda era pouco explorada nas HQs nacionais? Qual foi sua ideia para se diferenciar ao que já existia disponível?
Os zumbis chegaram repentinamente no meu trabalho. Nunca fui fã assíduo do gênero, tampouco me imaginava fazendo terror. Ideias das mais diversas pintam o tempo todo e essa podia ser só mais uma das que ficam pelo caminho. Porém, quando veio à ideia de fazer histórias de Zumbi em São Paulo e pensei em envolver o caso de Pinheirinho dentro da narrativa, isso acabou dando uma motivação a mais e o projeto foi pra frente. Não penso necessariamente em fazer algo que se diferencie do que já existe, mas apenas ser sincero no tipo de história que quero contar, no tipo de assunto que me é importante falar. Acho que naturalmente isso já dá uma voz própria ao trabalho e talvez o diferencie de outras obras.

Qual o aspecto mais fascinante no conceito dos zumbis na sua visão de escritor?
Muitos são os dilemas morais envolvidos quando imaginamos um mundo caótico propiciado pelo apocalipse zumbi. Isso dá muito pano pra manga, para ser explorado das mais diversas maneiras, nos mais variados cenários. Eu tento só contribuir com alguns questionamentos que me são importantes, mas ainda falta um bocado de coisa divertida e interessante pra falar. Um exemplo prático: sempre que leio, vejo um filme do gênero, ou até mesmo escrevendo a respeito tento me imaginar no lugar das pessoas comuns tendo que “matar” ex-amigos, familiares, colegas, conhecidos ou até mesmo desconhecidos que se tornaram zumbis. Sinceramente acho que eu não conseguiria. Isso aparece tangenciando outros temas dentro de duas ou três histórias de São Paulo dos Mortos. Qualquer dia eu exploro isso mais profundamente numa história.

Gosto de contar histórias que tratem da realidade que vivo, mesmo que isso envolva zumbis

No primeiro volume vemos uma preocupação grande em representar o cenário, dando uma sensação de identificação ao leitor? Essa proposta foi intencional?
Muitas são minhas histórias ambientadas em São Paulo. A Nanquim Descartável tem uma participação importante de São Paulo e KM Blues é uma viagem por diversas partes do Estado. Gosto de contar histórias que tratem da realidade que vivo, mesmo que isso envolva zumbis. Nada contra contar histórias noutros cenários, eu mesmo já o fiz, mas fico muito feliz quando identificam não só os lugares, mas o clima da cidade dentro das histórias. Isso acabou sendo um diferencial dentro de São Paulo dos Mortos. Muitas pessoas que já curtem histórias de zumbis se viram desafiadas ao ler algumas que se passam em seu próprio mundo.

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Quais as inspirações para criar as histórias deste segundo volume?
Inicialmente eu faria um segundo volume como o primeiro, com várias histórias e viabilizado através de financiamento coletivo. Porém, o tempo não me propiciava isso e resolvi pegar apenas uma das histórias que eu tinha inicialmente imaginado e desenvolve-la um pouco mais. A princípio queria fazer algo na liberdade e tinha a ideia de um personagem, o Motoboy que trabalha arrumando produtos para as pessoas no apocalipse zumbi. E então entraram várias outras coisinhas, como o karaokê, que foi parcialmente baseado em fatos reais, os gatos que queria colocar numa história, etc. O personagem deve voltar noutras histórias. E outros personagens com um viés parecido devem aparecer também.

Quais autores te inspiram a escrever roteiros de HQ?
Eu gosto e leio muita coisa. Mas normalmente as histórias e autores que mais gosto não são as que de fato servem de referência. Acho que quando amo uma obra fico pensando que não faria algo a altura e por isso não me serve, na prática, de referência. De forma que essa pra mim é a pergunta mais difícil. Quais autores me inspiram a escrever? Todos que leio e nenhum deles.

Como é roteirizar para artistas diferentes em uma mesma obra? Você pensa no estilo de cada ao escrever?
Esse elemento foi muito mais uma necessidade do que um “estilo”. Difícil arrumar um desenhista disponível para desenhar histórias longas, então você vai dando um jeito. Dessa forma tive que me acostumar a escrever para os mais variados desenhistas, cada um deles com um estilo e um método de trabalho. Tem desenhista que sou mais detalhista, outros eu deixo mais solto. Tem desenhista que vejo cada esboço, outros que só vejo finalizado. Tem desenhista que sei que determinadas coisas funcionam, outros não. De um jeito que o processo criativo fica mais rico e interessante.

São Paulo dos Mortos tem potencial para mais um volume. Há planos para continuar a série?
Tenho interesse em produzir outras histórias. Ainda não defini se vou lançar um volume com várias histórias (como na primeira edição), ou uma revista com uma só HQ (como na segunda). Mas quero voltar a série ainda esse ano, vamos ver se o mundo conspira a favor. Logo começo a desenvolver as ideias e convidar desenhistas.

Cena do primeiro volume da HQ. (Divulgação);
Cena do primeiro volume da HQ. (Divulgação);

O livro foi lançado na primeira Comic-Con Experience, mas muitas publicações independentes têm dificuldade de circular além de grandes eventos de HQ. Como você lida com a questão da distribuição?
Aqui em São Paulo acredito que isso já foi contornado, através da minha própria ação somada a de um distribuidor local. O problema é quando pensamos em Brasil. Ainda não consegui resolver isso e não foi por falta de tentativas, pois isso é algo que venho perseguindo junto a outros autores desde o Quarto Mundo. Se tivéssemos uma distribuidora de independentes em cada grande cidade, conseguiríamos resultados muito melhores. Você que está aqui lendo, que é do Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e tantas outras grandes cidades… Não tem interesse nisso? Garanto que a quantidade de gente querendo distribuir seria enorme e em médio prazo se mostraria uma atividade com algum lucro, mesmo que pequeno.

São Paulo dos Mortos Vol. 2 custa R$ 15 e pode ser comprada online na Comix, Monkix ou adquiridas na Gibiteria, em São Paulo.

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