Entrevista com Diego Sanchez, autor de Quadrinhos Insones

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O carioca Diego Sanchez é um dos principais nomes da atual geração de quadrinistas que estão renovando a cena das HQs no Brasil. Além de buscarem uma produção autoral e vozes bem particulares eles também estão empreendendo um feito incrível: criaram um público ao redor dessa produção. Com uma base de leitores cultivada através da internet eles seguem publicando sem parar, seja em edições independentes, coletâneas, fanpages no Facebook, Tumblr e em livros voltados para livrarias e comic-shops, como é o caso de Quadrinhos Insones, de Sanchez, que a Mino lança agora em maio.

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Falando em voz, Diego Sanchez é um desses quadrinistas com uma autoralidade bem presente, mesmo com uma produção ainda relativamente curta. Dê uma passeada por seu perfil no Facebook e umas folheadas em seus recentes livros. É uma segurança em seu próprio estilo que chama atenção para um autor ainda jovem. E há também muita experimentação com a própria linguagem das HQs. Em Quadrinhos Insones temos um recorte da obra de Sanchez publicada online nos últimos anos. São HQs sobre o cotidiano, sobre a beleza da desimportância, das pessoas ordinárias. “Eu sou uma pessoa medíocre em tantas áreas da minha vida que eu acabei criando uma paixão pelo medíocre sabe?”, explica. É também um gibi sobre a dificuldade que temos em nos comunicar nesses tempos tão conectados, de nossa solidão.

Quadrinhos Insones é o terceiro lançamento de Diego Sanchez pela Mino, depois de Perpetuum Mobile e Hermínia. Ele também é autor de Pigmaleão (Independente). Batemos um papo com Diego onde ele falou de seu universo particular para compor suas histórias, do mercado atual de quadrinhos no Brasil e de sua paixão por Gabriel García Marquez.

O seu trabalho em Quadrinhos Insones parece um depositório de temas e conceitos que você mostrou em outras HQs de narrativa mais longa, como o Hermínia. O que essa série representa para você?
O Quadrinhos Insones acho que acaba sendo as vezes um tipo de ensaio para coisas maiores no sentido de que eu me sinto à vontade para experimentar coisas com um desprendimento maior do que seria se eu tivesse que fazer mais dezenas de páginas. Por outro lado é também uma experiência completamente diferente no sentido de que o pensamento de tiras não é o mesmo pensamento de uma narrativa longa, são outras coisas em pauta. Os temas acho que são revisitados por isso, a forma como eu falo de um mesmo tipo de relacionamento numa tira vai ser uma, num livro outra, numa historia curta outra… De alguma forma me interessa o desafio de resolver premissas similares dentro de limitações diferentes.

Não sei se dá para chamar de uma série, já que são diversas “séries” diversos momentos de produção compilados no livro com coisas que vão desde 2011 (de antes da página do Facebook) até agora, em 2016. Mas, sei lá, acho que é para mim um mapa da minha produção, ainda que seja só um recorte. É o tipo de coisa que pra mim especificamente é interessante porque mostra muito da minha busca por um estilo, uma forma de contar coisas, de desenhar, de escrever visualmente de forma eficiente.

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Algumas HQs soam bastante melancólicas, enquanto outras parecem autodepreciativas, outras irônicas e ácidas. Pode comentar as inspirações para suas histórias?
Acho que enquanto nos livros eu tento criar um universo e personagens e tal, nas tirinhas eu vou muito em sensações, fragmentos de cotidiano. Eu gosto muito de tentar capturar coisas meio que irrelevantes e medíocres sabe? Tipo sensações ou detalhes extremamente mundanos. Tentar catalogar essas coisas, tentar meio que, sei lá… Acho que o ser humano tem esse desejo meio que destrutivo de falar sobre essas coisas preciosas e difíceis de segurar que parecem bobas se você falar delas da maneira errada, mas que se você conseguir acertar e passar o sentimento na medida certa é algo mágico. Eu tento fazer isso muitas vezes.

E, hahauahuah, acho que na maior parte das vezes eu erro, mas vale a tentativa, sei lá. Eu cheguei a essa conclusão outro dia que sei lá eu sou uma pessoa medíocre em tantas áreas da minha vida que eu acabei criando uma paixão pelo medíocre sabe? Tipo personagens patéticos, situações desimportantes, tudo que é bastante não notável.

Seus personagens masculinos soam existencialistas, mas muitas vezes soam evasivos, quase cínicos em relação à vida. Outras vezes apenas não conseguem se comunicar como queriam. É mais ou menos isso? Como foi criar esses personagens?
Acho que sim, nesses últimos três anos os meus projetos maiores se focam em personagens jovens e acho que a juventude é um período bastante confuso, sei lá. De alguma maneira os personagens principais desses livros, tanto os femininos quanto os masculinos, têm como matéria prima algo que eu percebo em mim e que, em seguida, eu tento externalizar e ir moldando de uma maneira que pareça fazer sentido, adicionando peculiaridades que eu percebo em outras pessoas também e que acho que combinam com o personagem. Sei lá, esse cinismo, evasão, incomunicabilidade, são meio que sintomas do nosso tempo? Não que eu tenha alguma pretensão de falar sobre o nosso tempo, mas acho que é algo que acaba aparecendo mesmo sem a intenção.

Quer dizer, acho que essa parte da incomunicabilidade me interessa muito. Eu tento bastante que nos meus livros os diálogos não soem completamente redondos e ensaiados quando eles devem parecer reais, me incomoda muito ver, fora de uma proposta de dialogo dramática, teatral, diálogos que sempre necessariamente levam a algum lugar e se fecham com perfeição.

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Seus álbuns (Hermínia, Perpetuum Mobile) fazem parte de um mesmo universo, certo? Sinto uma sensação de reconhecimento ao passar de um livro para outro. Ao mesmo tempo é um mundo fugidio, quase irreal. Como foi criar esses cenários? Ainda teremos outras obras nesse seu universo?
Provavelmente sim! Tem mais uns dois livros não terminados que se passam meio que nesse universo. A Perpertuum Mobile, por exemplo, era originalmente uma história em duas partes, e eu tenho vontade de um dia escrever essa segunda parte. Aliás além do Hermínia e Perpetuum Mobile tem ainda no mesmo universo meu outro livro que se chama Pigmaleão, que foi o segundo.

Esse universo acho que foi sendo criado muito em função das minhas necessidades narrativas para o Perpetuum Mobile, mas por algum motivo (acho que por um costume de criar mundos para minhas campanhas de RPG quando eu era adolescente) eu fui estendendo ele mentalmente. Agora respondendo a pergunta, eu sinto que de alguma forma esse universo é uma tentativa de recriar o que me encantava nos livros do García Marquez num espaço urbano e contemporâneo. Acho que visualmente tem muita coisa de Rio de Janeiro misturado com esses lugares que a gente vê em filmes gringos.

Como foi fazer o trabalho de selecionar as HQs que entrariam no livro do Quadrinhos Insones? Aliás, o que achou da edição final?
Eu gostei bastante, eu fiz primeiro uma pré-seleção, daí os editores a Jana e o Lauro [Janaína e Lauro de Luna Larsen, fundadores e editores da Mino] fizeram uma seleção desses. Daí ficou com poucos quadrinhos, daí nós pegamos uns antigos e eu dei uma trabalhada neles. Tipo pegamos alguns que eram interessantes mas que, ou estavam coloridos ou estavam mal resolvidos, e redesenhei pro livro. Queria que tivesse mais quadrinhos talvez, mas acho que pouco material pronto o suficiente para entrar ficou de fora.

O que pode nos adiantar de seus novos projetos? Pode falar mais sobre um novo álbum?
Eu atualmente estou trabalhando em quatro histórias, a mais recente deve ser uma revista curta, é sobre dois homens sendo um deles um morto, num navio à deriva.

Você faz parte de uma geração de quadrinistas muito marcada pela produção autoral e busca de uma voz dentro do mercado. Como é fazer parte desse momento?
Eu fico muito satisfeito muitas vezes, mas também angustiado, com uma sensação de que algo está acontecendo, mas ainda não chega a tantas pessoas quanto poderia. É bem legal e confuso e eu fico feliz de sentir que os trabalhos de alguns pirralhos da minha geração tocam tanta gente quanto trabalhos de gente que produz há anos. No FIQ do ano passado tinha muita coisa que eu queria ver, por exemplo, mas as coisas que eu mais estava ansioso para ter em mãos na verdade eram coisas de amigos, o Úlcera da Paula (Puiupo) e do Adonis (Pantazopoulos), a Ilha do Tesouro do [Pedro] Cobiaco e o Espiga do Felipe Portugal.

Quais artistas mais te instigam/inspiram, seja nos quadrinhos ou em outras artes?
Eu sou enormemente influenciado pelas pessoas dos meus círculos mais próximos como o Pedro Cobiaco, Felipe Portugal, Victor Azevedo, Puiupo, Mazô. De nomes consagrados eu estou atualmente muito interessado no Michael de Forge e no Priit Parn. Essa semana ganhei um livro de contos do Edgar Allan Poe com ilustrações do Harry Clarke e eu to tipo super pirando.

Quadrinhos Insones tem 96 páginas, capa dura e custa R$ 39,90. Vendas pela loja online.

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