Entrevista: Arrete e a potência da mulher nordestina no hip hop

Arrete home
Arrete se apresenta no Rec-Beat. / Foto: Divulgação

Mais do que um novo nome do rap, o grupo pernambucano Arrete assume o desafio de incorporar a essência do hip hop: incorporam música, dança e troca de ideias em um projeto global que envolve ainda uma proposta muito bem-vinda de valorização da cultura local. Formada pelas MCs Ya Juste, Nina Rodrigues e Weedja Lima, a banda traz ainda duas dançarinas, Duda Serafim e Ayara Martins, além do DJ Rimas INC, um dos principais nomes hoje da “música grave brasileira”, o Brazil Bass.

Apontando sua mira para questões sociais e também de gênero, as Arrete promovem o que chamam de “empoteciamento” feminino. Essa busca por mais potência evidencia a urgência de um grupo como esse dentro do rap nacional. “É algo libertador. O orgulho que sentimos de poder lutar e mostrar nosso trabalho a todas e todos para todas e todos nos conforta”, diz o grupo.

As Arrete lançaram o primeiro álbum em formato digital, Sempre Com a Frota, este ano. Para 2018 elas esperam lançar a versão em vinil e CD, além de excursionar pelo Brasil mostrando seu show explosivo (elas já se apresentaram no Rec-Beat Apresenta e no Rec’n’Play, entre outros eventos).

As Arrete são as estrelas da primeira edição do projeto O Grito! Apresenta, que une música e performances e que acontece nesta quinta (7) no Texas Bar, no Centro do Recife.

A gente bateu um papo com as integrantes, que decidiram responder coletivamente.

Como surgiu a ideia de criar o Arrete? Qual a lembrança mais remota que vcs tem do início da banda?
As Mcs do grupo já protagonizavam em projetos independentes dentro e fora do Hip Hop, bem antes do Arrete acontecer, há uns 17 anos. Sendo amigas passaram pelo processo de trabalharem juntas em alguns momentos. Em 2012 Ya Juste teve a ideia de juntar Weedja Leite e Nina Rodrigues para gravar a Música “Arrete Não”, que expressava uma forma de se libertar de amarras e relembrar momentos construídos por todas no passado. Acabaram gravando tanto “Arrete Não” como “No Máximo Respeito”. De início não tínhamos o propósito de criar um grupo, mas depois de termos gravado clipes dessas respectivas músicas, já com a participação de Duda Serafim (dancer), que também está desde o início no grupo, as pessoas começaram a nos convidar para shows, e a se interessarem por nossas atividades, inclusive perguntando pelo nome do grupo.

Então nos questionamos por que não Arrete já que estavam nos chamando de “As meninas do Arrete Não”. O momento era aquele. Criamos o grupo e ficou fácil voltarmos a fazer algo que já fazíamos há muito: rimar, mas agora com mais força, já que esse retorno foi num momento que a cena estava inovando cada dia que se passava e nós queríamos isso. Fomos atrás. Agarramos a oportunidade com unhas e dentes. Partimos decididas a apresentar nosso trabalho, que tem o Rap como base. Criamos inovações a título de experiência e fomos agradando um público diferenciado que nos apoia e impulsiona, deixando-nos à vontade para liberar nossas mensagens.

O que podem nos adiantar sobre o próximo disco, a composição das novas músicas e novidades pro ano que vem?
Podemos adiantar que queremos fazer rsrsr, mas agora ainda estamos sentindo o gosto do atual. Lançamos o nosso primeiro CD, o Sempre com a Frota, em agosto deste ano, onde gravamos com o apoio do Funcultura. Ainda sentimos cada emoção, cada choro e sorriso. Foram momentos inesquecíveis. Uma luta séria em todos sentidos. De uma responsabilidade tremenda, misturada com o temor do desconhecido. Do estar presente nas gravações com cada pessoa que fez tudo isso acontecer. Cada segundo que passávamos era composto de sentimentos ambíguos. Íamos da alegria da premiação ao medo de não conseguirmos chegar ao fim. Mas valeu.

O trabalho ficou muito bom e nos tem trazido oportunidades no meio. Em relação às composições, sempre nos baseamos no cotidiano de cada integrante, no grito de empotenciamento, em certas ocasiões misturado com um quê de sarcasmo, uma vez que expressamos situações que passamos em nossas vidas conjunta ou individualmente. Nelas brincamos com nossas situações (de amizade, de tristeza, alegria, espanto, uniões, separações, perdas), enfim. Um exemplo foi o mote para “Caixinha de Surpresas”: foi fornecido por uma pessoa que resolveu rotular uma das componentes e terminou nos dando ensejo para a criação da música. Em 2018 ainda estaremos trabalhando nosso álbum que é muito novo, mas já que somos uns siris na lata e ficar quietas é algo que não conseguimos muito, provavelmente teremos surpresa no meio do caminho. Tudo tem fluido constantemente. Estamos em um momento de muitas ideias para nossas composições. Vamos ter novidades, acredite.

A banda, já pelo nome expressa um Nordeste muito forte, com um tom de orgulho em relação às raízes. Qual a importância de fazer rap com essa proposta?
Fomos todas criadas num meio artístico muito forte, onde até dar-nos conta de nosso poder tivemos que percorrer um caminho com muitos altos e baixos. O meio em que vivemos, nossa sociedade, é cheia de protecionismo à figura masculina. Afora figuras fortes de mulheres nordestinas que existem na nossa história e outras em nosso convívio, ficamos bastante tempo à margem por sermos mulheres. Hoje, então, a luta pelo feminino explode e nós ousamos ser o que somos: mulheres. Mas não apenas mulheres com a feminilidade aflorando, porém mulheres bravas, guerreiras, determinadas a provar nossa capacidade criativa e nossa independência rompendo grilhões que nos mantinham fora da questão. E nos orgulhamos mesmo por isso. Assim crescemos e inovamos. E nosso grito de guerra foi a música “Arrete não”, que deixa sangrar um momento extremo, momento que deixa escapar com profusão sua indignação pela situação ali vivida. Pois é, as coisas aqui acontecem: Pernambuco caldeirão fervente. Trabalhando dessa forma estamos criando um estilo próprio que dá característica especial ao nosso trabalho. Antigamente trabalhávamos cada uma independentemente. Cada uma se moldando às suas experiências e vivências. Quando da fusão sentimos nossas raízes nordestinas afloradas e basicamente adequamos nossos trabalhos a essa força inerente no íntimo de cada uma. Com história musical no rap, criar nossas músicas acompanhando essa batida foi rápido. Hoje sentimos que inovamos em algo que completa essa batida.

Como enxergam a representatividade feminina do rap? Temos hoje nomes importantes de mulheres que estão na dianteira do gênero, mas sabemos que ainda há muito a percorrer. O que podem falar sobre isso?
Por termos quase 20 anos de Hip Hop, já vimos muita coisa acontecendo, hoje nos sentimos livres para fazermos o que realmente gostamos. É algo libertador. O orgulho que sentimos de poder lutar e mostrar nosso trabalho a todas e todos para todas e todos nos conforta. Barreiras que pensávamos que nunca seriam quebradas desapareceram diante da força que descobrimos quando unidas e direcionadas ao mesmo objetivo mas, muito tem que ser feito ainda. Acreditamos, entretanto, que estamos adquirindo o espaço que sempre nos foi devido e acreditamos e queremos estar todas juntas por essa conquista, com nossas vozes ecoando aos quatro cantos. Vamos conseguir muito mais, até porque os Movimentos pelos Direito das mulheres que já têm força suficiente e que estão ganhando mais força ainda na sociedade, envolve a luta pelo adeus ao preconceito. Isso nos enquadra diretamente. O que precisamos fazer: continuar sempre, como diz a música, “Sempre com a Frota”.

Uma das coisas mais legais das Arrete é o fato de vcs terem na formação além de Dj e mcs a presença das dançarinas. Como surgiu essa ideia e qual o peso da dança no som de vocês?
O Hip Hop engloba 5 elementos: Mcs, Dj, Grafitte, Breaking e o Conhecimento. Todas nossas componentes têm algum desses elementos trazido dessa cultura. Resolvemos trabalhar assim, unir todos os elementos para formar de vez o Arrete. As dancers, da mesma forma que nos expressamos pela rima, nas letras posicionadas, expressam tudo isso na dança. Cada movimento tem também seu motivo. Elas expressam suas vivências através da postura dos seus corpos, no acompanhamento das músicas e letras. Estão envolvidas com as músicas e respiram suas mensagens. Até a primeira apresentação ainda não sabíamos que daria tão certo. Hoje, fazem parte do show e somam muito em nossas apresentações. Houve portanto uma quebra na austeridade em todas as componentes nas apresentações. As coisas começaram a fluir livre de trejeitos calcificados e agradou ao público que interage com o grupo como um todo, Não há Mcs, nem Djs, nem dancers no grupo Arrete: há uma sintonia de suas participantes pela liberação de seus anseios numa mostra que queremos homogênea apesar das diferenças. Hoje o Arrete está com a formação das Mcs Weedja Leite, Nina Rodrigues, Ya Juste e das Dancers Duda Serafim e Ayara e do Dj Clécio Rimas (Rimas INC).

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