Editorial: Contra o golpe à democracia

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Foto: MídiaNinja/Flickr.
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A vida em sociedade necessita de regras e códigos de conduta que permitam a convivência pacífica e ordenada entre os indivíduos que a compõem. Ao se organizar na forma de estado, a sociedade busca gerir os seus rumos da melhor forma possível. A isso se chama política, palavra de origem grega que em sua acepção original significa a arte de governar. Portanto, queiramos ou não, gostemos ou não, vivendo em sociedade, sempre que nos organizamos para atingir objetivos comuns estamos fazendo política.

Sabemos que, com o passar do tempo, o significado da palavra política foi se confundindo cada vez mais com a ideia de luta pelo poder. Nas democracias, sistema político em que o poder é exercido pelo povo através do sufrágio universal, por princípio todas as importantes decisões políticas estão com o povo. Dentro dessa configuração, no estado moderno de regime presidencialista, quando grupos de pessoas se unem em torno de um ideal e considera ele o melhor para o bem comum, elas buscam alcançar o poder pelo voto, a forma mais democrática de instituição de um governo. E para assegurar e garantir o funcionamento do estado e o cumprimento das regras democráticas existe a constituição.

No Brasil, hoje, temos uma presidenta eleita democraticamente com 52 milhões de votos e uma Constituição da República Federativa do Brasil promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Apesar disso, grupos políticos, que não conseguiram chegar ao poder central pelo voto, comandados por corruptos comprovados estão dando andamento a um processo de impeachment contra a presidente democraticamente eleita e contra quem não existe nenhum ato criminoso provado e que constitua juridicamente atos passíveis da mesma ser punida com o afastamento do poder.

O Congresso nacional, outra instância de poder do processo democrático, e que deveria observar as regras constitucionais, é hoje, com poucas exceções infelizmente, composto por grupos políticos que não legislam em prol do bem comum, mas de seus interesses particulares. Para se manter no poder cometem toda sorte de irregularidades, inclusive muitos deles respondendo a processos judiciais por corrupção. O nível político da Câmara de Deputados é o mais baixo possível desde que se instalou a República no país. Basta ver os debates em torno da questão do impeachment e a declaração de voto no dia da decisão (por minha cidade, meu filho fulano) onde até torturadores da ditadura militar foram celebrados.

O afastamento, por pressão desses grupos políticos, da presidente legitimamente eleita quebra as regras estabelecidas e, portanto, é um golpe contra a democracia. Não vamos cair na ilusão de que o Brasil estará melhor nas mãos de um governo tutelado por um político que para chegar ao poder conta com a estratégia golpista de um presidente da Câmara dos Deputados comprovadamente corrupto, apoiado pelas crescentes forças tenebrosas composta por grupos políticos formados por fundamentalistas religiosos neopentecostais, por defensores do fascismo, por exterminadores de índios e trabalhadores rurais, por senhores misóginos e homofóbicos.

Diante desse quadro sombrio de descumprimento das regras democráticas, portanto não podemos ficar omissos. Os significativos avanços sociais conseguidos nos últimos anos com políticas públicas positivas em favor dos negros, dos índios, dos direitos da mulher, dos grupos LGBT não podem sofrer retrocesso. A manutenção dos direitos trabalhistas conquistados, os programas que melhoraram a vida de milhões de brasileiros também não podem ser interrompidos. Sabemos que muita coisa ainda precisa ser feita. Melhorar o sistema de saúde, a educação pública, democratizar os meios de comunicação, regulamentar definitivamente o financiamento das campanhas eleitorais e implementar medidas efetivas de combate a corrupção, entre outras.

Assim sendo, é para quem vai continuar nessa luta, a exemplo de centenas de artistas sensíveis que a ela se juntaram, que damos nosso apoio. Nós que fazemos a Revista O Grito! defendemos o respeito às regras democráticas. Se o grupo político que agora está no poder não está correspondendo aos anseios do povo, cabe a ele a decisão de mantê-lo ou afastá-lo. E para isso continuamos acreditando que o melhor caminho ainda é o voto, não as conspirações.