Dossiê Teatro em PE: Nascido do caos, o coletivo Magiluth

magiluth2
Cena de "Viúva, Porém Honesta", do Magiluth. (Divulgação).
Cena de "Viúva, Porém Honesta", do Magiluth. (Divulgação).
Cena de “Viúva, Porém Honesta”, do Magiluth. (Divulgação).

Quando em 2007, o Grupo Magiluth debutava profissionalmente no Recife, espectadores de diferentes gerações abriram seus olhares para aquela experiência artística, saída do campus da Universidade Federal de Pernambuco, ansiosa por discutir em cena noções da Teoria do Caos, através do espetáculo Corra.

Discutida por diferentes cientistas ao longo da historia, sua proposição inicial foi estabelecida por Edward Lorenz que via em fenômenos aparentemente simples a possibilidade de geração de um comportamento tão caótico quanto à vida. Posteriormente, ao unir os estudos de Lorenz com o do polonês Benoit Mandelbrot, o matemático Steven Strogatz, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, aponta para a complexa ideia de que pode haver uma estranha ordem por trás de toda a imprevisibilidade.

Grande quantidade de escritos foram dedicadas a recontar a trajetória deste coletivo nos últimos anos, consolidada principalmente em 2012, através do espetáculo Viúva, porém honesta, obra de Nelson Rodrigues, circulada por mais de 50 cidades do país. Poucas dedicaram tempo à compreensão das camadas relacionadas aos procedimentos de gestão, que viabilizou estruturalmente a atividade do grupo por todo este período.

Se a criação de sete obras, conjuntamente com diferentes ações no âmbito artístico, estiveram sempre ligadas ao vigor com o qual seus integrantes defendem a “noção” de agrupamento, torna-se também necessário refletir, ainda que brevemente o “ordenamento do caos”, no que diz respeito ao campo dos aspectos gerenciais e que servem como contribuição para diferentes gerações. Para termos uma dimensão inicial, mesmo com a não aprovação de projetos em editais públicos durante seus primeiros anos, o Magiluth realizou a criação de quatro obras de seu repertório sem nenhuma espécie de financiamento, cabendo ao equilíbrio gerencial dos recursos levantados em temporadas e circulações, não só esta proeza, mas também a manutenção de uma sede, indispensável para realização de sua investigação artística.

Não se diferenciando de quase todos os coletivos teatrais e enfrentando dificuldades financeiras recorrentes que atingem o campo da criação artística, o Magiluth procurou investir na compreensão da estrutura do mercado para artes cênicas em nosso país. Assim, coube a um de seus integrantes o exercício de investigação e gestão destes mecanismos, negando a presença de um produtor externo sem relações artísticas com o grupo e investindo no procedimento de autogestão, regulado pela presença do artista/gestor.

Para isto, diferentes caminhos foram traçados. O primeiro disse respeito à construção de uma via permanente de diálogo com o público local, permeado por diferentes estratégias que ainda hoje resultam na fidelização de espectadores que acompanham o coletivo por onde passa. Esta relação foi estabelecida não só pelo viés do marketing cultural, pautado por ações promocionais, como pelo forte uso das mídias sociais.

O segundo caminho procurou passar pela reflexão em torno de uma conjuntura estética, onde o desejo pela criação de trabalhos que dialogassem com o seu tempo e com a faixa etária de seus integrantes, pudessem estabelecer pontos de fuga em torno do recorrente uso de unidades temáticas e formais do teatro feito até então na cidade. Neste sentido, a definição pela navegação em determinado universo da criação também é gestão.

Outro ponto chave desenvolvido pelo artista/gestor, nesta primeira década, esteve marcado pela busca constante de intercâmbio com coletivos de diferentes cidades, possibilitando o aprimoramento artístico e gerencial do coletivo, além da construção de redes de circulação. Dentro de toda imprevisibilidade que rege o fazer teatral, determinada ordem de estruturação estabelecida acabou por inserir o Magiluth num panorama onde, ainda que bastante distante do merecido pela função executada, seus integrantes pudessem se dedicar exclusivamente as atividades do coletivo, através de salários fixos e diferentes benefícios que regem os trabalhadores do país, prática incomum no campo artístico nacional.

Práticas aparentemente simples, mas que mostram que Steven Strogatz pode estar certo de alguma forma… Realmente pode haver uma estranha ordem por trás de toda a imprevisibilidade.

DOSSIÊ TEATRO EM PE:
PANORAMA CRÍTICO: No Recife, uma cena em transição
Teatro Alternativo, poéticas e estéticas
Entrevista com Stella Maris
Teatro em Casa, um canto para sonhar e resistir
Teatro infantil (r)existe
O estado de espírito dramatúrgico de Puro Lixo
Nascido do caos, o coletivo Magiluth
A via híbrida do Coletivo Angu de Teatro
Carta do artista: Cleyton Cabral

Encontrou um erro? Fale com a gente