DFB2016: Lindebergue Fernandes faz desfile político para refletir Brasil em crise

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Da Revista O Grito!, em Fortaleza

A moda como manifestação artística em primeiro lugar sempre foi o cerne do estilista cearense Lindebergue Fernandes. Por isso seu desfile no Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza, é sempre um dos mais aguardados todos os anos. Para esta edição, que chegou ao fim neste sábado (7), ele levou às passarelas uma discussão sobre o atual momento político e instigou um debate sobre o futuro da democracia no Brasil.

Um primeiro modelo abriu a passarela carregando uma bandeira preta de luto. Em seguida vários homens e mulheres surgiram com maquiagens de pierrots tristes. No desfile de palhaços que se seguiu Lindebergue ainda apresentou palavras e frases em um telão com temas do País, como “Ordem será progresso?”, “pátria”, “fé”, entre outros. A trilha trouxe ainda canções de resistência à ditadura militar, como “Canção do Subdesenvolvido”, de Carlos Lyra, outras que enaltecem a fé do povo, caso de “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos, para culminar em uma catarse otimista na voz de Raul Seixas com “Sociedade Alternativa”.

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As peças traziam clara inspiração militar com muito uso do verde e indumentária que remetia a soldados e generais. Em contraste a isso a isso o uso de cores fortes como o cor de rosa e azul. Há também muita sarja e rigidez nas roupas. Mas o que mais chamou atenção foi mesmo o uso de mangas gigantes, que passavam do comprimento do braço dos modelos. Parecia ressoar o estado de anormalidade das coisas, mas também um sentimento de imobilidade das pessoas hoje.

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Segundo Lindebergue, o desfile refletiu um sentimento coletivo a favor da democracia, mas que não escolhe um lado ou outro. “Quis mostrar o sentimento de insegurança que vivemos hoje em meio à crise política, o quanto estamos sendo feitos de palhaços”, me explicou em uma entrevista após o desfile. “Abro a passarela com uma bandeira de luto por toda a instabilidade da democracia, mas termino com uma bandeira branca simbolizando esse otimismo do brasileiro”, disse. “O que está acontecendo hoje no Brasil é muito confuso, mas todos pensamos em um final bom”.

O desfile inicialmente seria inspirado na relações estéticas entre Napoleão Bonaparte e Lampião e em como as indumentárias desses dois personagens históricos aparecem no dia de hoje. Seria “o cangaço do asfalto”, onde os cangaceiros modernos seriam representados pelo hip hop, pelo skate e outras expressões urbanas. Parte dessa pesquisa ainda surgiu nas peças mostradas no palco, ainda que segundo o estilista, “Lampião surgiu apenas espiritualmente”. Com o avançar da crise e a ebulição que vinha das ruas, o autor decidiu mudar a proposta da coleção.

Os acessórios feitos em material orgânico foram assinados por Adelita Monteiro, artesã e designer que é conhecida por sua militância política. Ela levou para o desfile peças feitas com sementes, crochê, pedrarias e cascas, usados em maxi-colares, brincos e broches. “Comunista desde os quinze anos, quando comecei a trabalhar com moda ninguém entendia, nem na moda, muito menos na política. Pacientemente eu explicava (quase sempre em vão). Moda é futilidade? Pode ser que sim, pode ser que não. Política é corrupção? Pode ser que sim, pode ser que não. O grande lance é escolher o lado certo”, escreveu Adelita em um post no site Dfhouse, ligado ao festival.

Linderbergue nunca se furtou em fazer política na moda. No ano passado ele ousou em tratar das questões trans ao levar ao Dragão uma coleção inspirada no grupo As Travestidas, do Ceará. Ao som de “I Will Survive”, levou modelos travestis e drag queens vestindo camisetas com expressões usadas por elas, como “Odara” e “Close”.

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Em 2013 fez outro desfile-protesto e novamente com modelos tristes, de andar melancólico e lágrimas na maquiagem. Criticou a falta de autenticidade na moda brasileira e também o aumento do conservadorismo. Ao final entrou na passarela com uma camisa que dizia “sua ignorância não me representa”. Naquela ocasião conversei com ele sobre o papel da moda para tratar dessas questões. “A moda pode ser um espaço rico como espaço de arte, e não só vitrine de vender roupa”, disse.

Corta para 2016 onde Lindebergue é um dos casos raros de estilistas e profissionais de moda que abordam a questão política no Brasil hoje. Seu desfile este ano no Dragão é um documento de coragem no mundo fashion, um autor que mostra coragem de se posicionar e emocionar quem assiste. Veja abaixo o vídeo completo.

Fotos por Roberta Braga / Silvia Boriello / Ricardo K / Nicolas Gondim.

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* O jornalista viajou a convite da organização do festival.

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