Crítica – TV: Sr. Ávila | 2ª Temporada

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Foto: Divulgação.
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Mais cínico e atormentado, Sr. Ávila retorna para a segunda temporada

Por Luiza Lusvarghi

A segunda temporada da série Sr. Ávila promete uma virada na história do personagem do título. A série é produzida pela HBO da América Latina e sua primeira temporada estreou em 2013. Os irmãos Walter e Marcelo Slavich, os mesmos autores da excelente série argentina Epitáfios (HBO, 2004-2009), assinam o roteiro. Desta vez, Ávila, o nosso Dexter latino, interpretado por Tony Dalton, tem de se empenhar para continuar sendo o líder de um grupo de assassinos de aluguel, o que em outras palavras, significa que esta temporada promete ainda mais ação.

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O formato continua o mesmo, mas em termo de gênero ficcional, as coisas mudam um pouco. Ávila agora divide as cenas com uma investigadora de polícia. Assim, as cenas de inquérito e delegacia, comuns às séries americanas do gênero policial que trabalham com a corporação, aparecem com força nesta temporada. Esses momentos são centrados em diálogos recheados de colocações de ordem moral, em sua eterna luta contra o mal. Ainda não se sabe quem vai levar a melhor.

Na primeira temporada Ávila era um homem feliz no casamento que encobria sua verdadeira atividade trabalhando como vendedor de seguros. Sua mulher María (Nailea Norvind) e seu filho Emiliano (Adrian Alonso) desconheciam totalmente seu ofício. Essa vida dupla acaba ameaçada por um adolescente, Ismael (Jorge Caballero), um delinquente juvenil que se torna seu pupilo. Ávila-Dalton está longe de ser um herói do estilo marginal romântico ou ainda um clássico protagonista dos filmes policiais americanos clássicos. Aparentemente, ele é a personificação da maldade na sociedade. Embora pouco se saiba de sua vida anterior, Ávila lembra personagens do ciclo noir, filmes americanos que não se limitavam a acompanhar a trajetória de investigadores solitários e durões, como Humprhey Bogart, protagonista de O Falcão Maltês, mas também enfocavam personagens comuns, muitas vezes da classe média e alta, que abraçavam a marginalidade, como em Mortalmente Perigosa, 1950, de Joseph H. Lewis, que inspirou Bonnie and Clyde (1967).

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A decadência da sociedade moderna é muito bem representada no cinema pelas narrativas noir, centradas mais na discussão da crise de valores e na violência do que na resolução do enigma, como já apontava Ernest Mandel, e o próprio escritor Raymond Chandler, uma vez que elas representam um exercício diário de crueldade, brutalidade e sadismo gerados a partir da nossa própria realidade, e não de mentes deturpadas.

De fato, Ávila reúne todas as condições de ser um homem normal, mas opta por uma carreira de crime. Ávila-Dalton é um cidadão respeitável, um bem-sucedido pai de família, sem antecedentes criminais, nunca foi preso. Em Sr. Ávila, a explosão de cores e cenários lembra as obras noir do fim do ciclo, como o célebre Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, mas ainda mais o neo-noir de obras como Chinatown (1972), de Roman Polanski. O uso de contrastes entre luz e sombras que os filmes em branco e preto eternizaram, mas que está presente também nos filmes coloridos, como pontuou o crítico americano e pesquisador do estilo James Naremore, é exacerbado pela paleta de tons estourados e kitsch que remete à atual onda vintage e à estética do lixo. A mobília decadente, a mescla indiferenciada de estilos contemporâneos e dos anos 1950, na mobília, nos edifícios, sem nenhum charme, reforçam essa aura.

No entanto, não é o uso da câmera ou das cores que vai sugerir de imediato essa associação, mas a elaboração dos personagens e a trama. A Cidade do México, onde transcorre a ação, surge como a megalópole latina de qualquer país da era global, despida dos seus pontos turísticos locais de referência, como é comum neste tipo de narrativa. A banalização do mal, a ideia de que o crime é sistematicamente integrado ao cotidiano, e se infiltrou em todas as camadas da sociedade dão a ideia de decadência e de que a realidade mudou dramaticamente – nada mais está no lugar. A sensação de perda é eminente, provocando a sensação de que nada mais é como deveria ser. As cidades e a vida cotidiana estão longe de ser um paraíso.

Sr. Ávila traz a banalidade do mal em nossa civilização como tema. Ele jamais se questiona sobre o motivo de matar, ele não tem conflitos, matar é o seu ofício, cinco dias por semana. Os únicos policiais que ele encontra pelo caminho são tão violentos e frios como ele próprio, muitas vezes até piores. Apesar disso tudo, ele é um homem de família, e tenta preservar seus entes queridos como se vivessem num mundo à parte. A mulher, no entanto, tem distúrbios psiquiátricos sérios, e o filho rapidamente se converte num delinquente como ele próprio. E a entrada em cena da detetive Erika Duarte, a representante do bem e da justiça, em sua tentativa de lutar contra a corrupção para resgatar a verdade, muda o tom da narrativa, que passa a dialogar com seriados policiais clássicos.

A história se inicia com Ávila tentando superar a morte do filho Emiliano (Adrián Alonso), assassinado de forma trágica por seu assistente Iván (Carlos Aragón), sem que ele desconfie. Ivan elimina implacavelmente tudo e todos que se erguem como possíveis problemas para os negócios. Na segunda temporada, Ávila vive atormentado por ameaças de morte de seus rivais, enquanto sua mulher, María (Nailea Norvind) segue internada em um hospital psiquiátrico. Na primeira temporada, a mulher María era o único ponto de contato de Ávila com a realidade social de uma vida na lei e na ordem, a sua única perspectiva de integração. Agora, o que lhe resta é a detetive Érika Duarte (Ilse Salas), que vai perturbar Ávila, levando-o a questionar as regras do jogo. Ele sente a morte próxima e tenta derrotá-la, enquanto dribla o “Conselho de Senhores” que comanda o negócio e cuja fachada é uma funerária.

Composta por dez episódios de uma hora, a segunda temporada, que estreou este mês, conta com participações especiais de Rebecca Jones e Joaquín Cosío, e tem produção executiva de Luis Peraza, Roberto Rios, Jorge Tijerina e Paul Drago, da HBO Latin America Originals, e os produtores executivos Billy Rovzar e Alexis Fridman, da produtora Lemon Films. O diretor-geral é Fernando Rovzar e o diretor-adjunto, Alejandro Loza.

SR. ÁVILA
Por Billy Rovzar e Alexis Fridman
[HBO, domingos, 22h]

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* Luiza Lusvarghi é pós-doutora em cinema pela Universidade de São Paulo e pesquisadora de séries policiais e produção audiovisual latino-americana.

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