Crítica: O Som Ao Redor, de Kléber Mendonça Filho

osomaoredor

TUDO É RUÍDO
o Som Ao Redor expõe contradições e preconceitos da classe média

Depois de fazer sucesso em festivais no Brasil e no mundo – venceu Roterdã, Festival do Rio, Brasília e Mostra de SP, só para citar alguns – e ser elogiado pela crítica, o longa O Som ao Redor estreia no Recife, cidade que é objeto e também personagem do longa. Passado no bairro de Setúbal, na Zona Sul da cidade, a produção é um recorte em HD das contradições não só locais, mas de todo o País.

O som ao redor mostra que nunca perdemos o link com a estrutura de engenho. Os personagens daquela época hoje estão escondidos nos prédios sem personalidade, de fachadas monótonas, que crescem desordenados. Preconceito, ainda que velado, mantidos em uma sociedade que conservou o coronelismo, o patriarcado. Tudo isso emana do filme.

A história aborda o cotidiano de pessoas em uma rua próxima à praia. Conhecemos uma dona de casa atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho, um entregador de água mineral que trafica maconha, um playboy arrombador de carros, um corretor de imóveis entediado. O plano sequência inicial mostra uma garota de patins fazendo um passeio em um típico condomínio de classe média. Lá estão, acuadas nas esquinas do playground, as babás uniformizadas, cuidando de suas crianças brancas.

O diretor Kléber Mendonça Filho vai mostrando as pequenas tensões que existem nas relações sociais desse universo aparentemente cordial. Para quebrar esse silêncio apaziguador, chega o segurança Clodoaldo (Irandhir Santos), que oferece proteção para vizinhança através de seu pequeno time de guardas noturnos. Sua presença causa atrito com Seu Francisco (W.J. Solha), um dono de engenho que exerce influência na vizinhança por ser proprietário de imóveis.

kleber mendonca filho

A narrativa de O Som ao Redor destaca-se mais pelo que não é dito, pela expectativa da violência. A trama vai se desenvolvendo como um filme de suspense, com interlúdios que mostram em forma de pesadelos os medos dos moradores. Esse estado de insegurança atende à verticalização, ao esconderijo que todos almejam como forma maior de ascenção social.

E o ônus de quem perturba essa cenário é duro. Em uma sequência, um grupo de moradores se reúne para demitir o porteiro do condomínio que cochila à noite. Em outro momento, um empregada leva gritos por queimar um aparelho doméstico. Há diversos outros atos hostis que vão sugerindo que as relações entre as classes ainda se pautam pelo desrespeito e ostentação de poder. São esses pequenos ruídos que revelam como a sociedade em que vivemos hoje é um decalque daquele período escravocrata. O modo como a classe média é exposta chega a ser perturbador.

O longa é muito representativo do momento atual do Recife. Mas diz muito respeito ao Brasil, já que a paranoia gerada pela violência é uma problemática nacional. Esse caráter universal foi um dos motivos para o sucesso do filme no exterior. As críticas em veículos estrangeiros destacam o modo como o diretor conseguiu expor esses temas ao mesmo tempo em que soa local.

Este texto também foi publicado em nosso parceiro NE10