Crítica: O Pequeno Pirata, de David B.

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MALASSOMBROS EM ALTO MAR
O Pequeno Pirata traz o universo fantasioso de David B agora em cores

Por Germano Rabello

David B. é um dos caras mais interessantes no atual panorama dos quadrinhos. Ele combina um bom domínio da narrativa e do roteiro. Com seu traço peculiar, consegue transformar idéias em imagens com uma facilidade estonteante. Essas qualidades estão presentes em O Pequeno Pirata, álbum que a editora Barba Negra lançou mês passado. São poucas páginas, 48 pra ser exato. Mas para quem gosta de quadrinho autoral, é um prato cheio.

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David Beauchard é fundamental para a revitalização dos quadrinhos franceses nos anos 90 e 00. O público brasileiro o conheceu primeiramente através de sua graphic novel mais famosa: Epilético, lançada em dois volumes pela Conrad alguns anos atrás. Ele é também um dos fundadores da editora L’Association, em parceria com figuras como Killofer, Lewis Trondheim, entre outros. A editora lançou, entre outros, o aclamadíssimo Persépolis, de Marjane Satrapi, em que tanto o estilo narrativo como o desenho trazem óbvias influências de David B (nenhuma surpresa nisso, já que Marjane foi trazida ao mundo dos quadrinhos através dele).

Uma obra-prima volumosa, Epilético narra a infãncia e juventude de David e de seu irmão, e acima de tudo, o impacto que a violenta epilespsia do seu irmão causou na família. A narrativa vai além do convencional realismo, preferindo adotar os delírios visuais, os sonhos e a imaginação fértil como seu mais fiel retrato. Mesmo contando uma estória razoavelmente linear, a graphic novel não parava de oferecer experimentações visuais que tornavam cada página um desafio e uma surpresa.

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O Pequeno Pirata é uma obra menos ambiciosa, mas talvez mais deliciosa por ser menos dolorida. È a adaptação de um texto de Pierre Mac Orlan. Fala sobre navio pirata que vaga sem destino pelo mar, seus tripulantes num estado indeterminado entre a vida e a morte, uma espécie de limbo. Eles se escondem no fundo do oceano durante o dia e emergem sob a luz da lua, quando tentam pilhar e saquear, sem saber ao certo qual o proveito disso.

Em uma dessas noites, encontram um bebê abandonado. É o começo da história do Pequeno Pirata, e do contraste entre uma vida que se desenvolve e os piratas mortos-vivos, que o adotam e o criam como filho. Os desenhos mantém o altíssimo nível, quase artes plásticas, que se espera de um trabalho do autor. A diferença em relação a epilético é que aqui o trabalho é colorido: uma mudança que é interessante para a história, que transpira a estética dos livros infantis, apesar de seu tom lúgubre. A utilização da cor causa uma certa estranheza a princípio, mas quando os olhos se acostumam, a sensação é boa. O mesmo pode se aplicar ao traço: olhares não iniciados vão demorar um pouco mais pra descobrir o caminho de suas linhas fortes, quase rudes.

Depois de alguns anos sendo dominado por imitadores ruins de Moebius, o quadrinho francês está sendo redescoberto no Brasil através de vários álbuns que tem saído de uns tempos pra cá. As editoras tem realmente investido em autores mais originais. Sorte do público, que agora tem acesso a este Pequeno Pirata, apenas um ano depois do lançamento nos EUA.

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David B. (texto e arte)
[Barba Negra / Leya, 48 páginas, R$ 29,90]
Tradução: Maria Clara Carneiro

NOTA: 9,0

 

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Germano Rabello é músico, ilustrador e quadrinhista. É também dono do blog Não Se Restrinja. Veja mais textos dele na Revista O Grito!