Crítica: O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese

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O Lobo de Wall Street é Scorsese com o ‘fodace’ ligado (Foto: Divulgação/Paris Filmes)

TIRADOR DE ONDA
Scorsese retorna revigorado e desafiando limites para contar a depravada história de poder e ganância em Wall Street

Por Paulo Floro

Uma elegia da decadência, um conto exagerado sobre a falta de escrúpulos, um filme sobre a baixeza da ganância e do enriquecimento ilícito, um diretor dando vazão às doidices por puro entretenimento. O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, indicado a cinco Oscar, é tudo isso, mas é antes de tudo algo mais importante: um filme sem nenhuma ótica moralista, o que está cada vez mais difícil de encontrar na Hollywood atual, cada mais conservadora e pouco disposta a melindrar sua audiência.

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Scorsese se uniu mais uma vez ao seu parceiro mais contumaz do século 21, Leonardo DiCaprio, posto que antes foi de Robert DeNiro. O longa, cuja produção executiva é assinada pela dupla, é baseado nas memórias de Jordan Belfort, um corretor da bolsa de valores em Wall Street que enriquece a custa de jogadas ilegais. Na prática ele vendia ações de empresas de garagem para pequenos investidores com a promessa de um retorno financeiro rápido. Como bem definiu o mentor de Belfort, interpretado por Matthew McConaughey, o negócio consistia em tirar o dinheiro do bolso dos trouxas e colocar no dos corretores.

Mas Jordan, um jovem de classe média baixa cujo único sonho na vida era ser rico, foi além: ficou milionário enganando o fisco dos EUA em uma série de transações ilegais por anos até ser pego em uma investigação do FBI. Leonardo DiCaprio mostrou uma entrega ao papel principal que trouxe carisma para um personagem por poderia facilmente ser vendido como um super-vilão que roubava dinheiro de incautos. O ator foi quem teve a ideia do longa, após ler a biografia de Belfort há cinco anos atrás. Levou o projeto para Scorsese com a ideia de criar um enredo que fugisse da mais pura demonização, mas que também não parecesse uma ode.

O resultado foi alcançado, de certa maneira. DiCaprio encarou o papel no intuito de ir a todos os extremos possíveis, seja como um carismático e messiânico líder que discursa para os empregados, mas também se joga em posições humilhantes. É o seu trabalho mais completo em anos e um dos poucos em que ele conseguiu deixar de lado o tom histriônico que vinha se repetindo em algum de seus últimos filmes. O elenco todo está afinado – incluindo até pontas de diretores como Jon Favreau e Spike Jonze – mas apenas Jonah Hill, em uma atuação impressionante, consegue trabalhar no mesmo nível com DiCaprio. A equipe de Belfort, um bando de hienas que se

Em três horas de duração, Scorsese traz uma história amoral sobre ganância e poder. E faz isso de modo divertido e delirantemente exuberante. As cenas de orgias e torpor de drogas são mostradas de maneira vulgar, com uma direção que parece querer explorar o absurdo até nas cenas mais banais. O problema de tanta mis-en-scéne é que o longa se torna cansativo em algumas partes próximas ao final, quando algumas passagens soam repetitivas ou parecem explicar o que estava bem claro. É resquício de uma fase didática que o diretor exercitou nos últimos anos. São tantas cenas que explicitam o modo de vida repulsivo que a exibição fica arrastada.

DiCaprio e Jonah Hill: atuação sem medo do exagero do ridículo (Foto: Divulgação/Paris Filmes)
DiCaprio e Jonah Hill: atuação sem medo do exagero do ridículo (Foto: Divulgação/Paris Filmes)

Mas, em geral, O Lobo de Wall Street cumpre seu papel de provocar e contar uma história no volume alto de loucura. Se livrando da pressão de entregar filmes na envergadura de legítimo cineasta americano clássico, Scorsese aparece aqui renovado, com um vigor juvenil que não víamos em sua produção há tempos. Do fofo A Invenção de Hugo Cabret ao fraco e sem expressão A Ilha do Medo, os longas sempre traziam um tom comedido e esquemático que, em geral, não corriam riscos. Até eram relevantes no sentido de dialogar com a filmografia do diretor, mas estavam distantes de clássicos como Os Bons Companheiros.

O Lobo de Wall Street é diferente. É uma bela porrada tanto no público quanto na indústria ao entregar uma espécie de comédia pastelão do desespero. Um longa que foge da armadilha de lançar uma opinião formada sobre um homem e sua trajetória. Não é uma exaltação ao excesso, como muitos se apressaram em julgar, mas um olhar sobre as consequências de alguém que decidiu ligar o foda-se. Assim como Scorsese.

lobo-O LOBO DE WALL STREET
De Martin Scorsese
[The Wolf Of Wall Street, EUA, 2013 / Paris Filmes]
Com Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie

Nota: 8,0