Crítica: O Golpista do Ano

i love you philip morris

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MAIS UMA COMÉDIA INOFENSIVA SOBRE O MUNDO LGBT
I Love You Phillip Morris é feito com o claro objetivo de agradar platéia heterossexual

Por Alexandre Figueirôa
Articulista da Revista O Grito!, em Recife

Domingo à noite. Sessão lotada para ver I Love You Phillip Morris, que no Brasil ganhou mais uma tradução ridícula: O Golpista do Ano. Os atrativos para o filme aqui no Brasil parecem estar concentrados em dois pontos: o comediante Jim Carrey com suas insuportáveis caretas, mas que agrada meio mundo de gente, e o galã brasuca bonitão de telenovelas Rodrigo Santoro. Bom, pelo menos esta foi a justificativa que encontrei para flagrar tantos casais não gays comendo pipoca, falando alto no celular e também rindo à valer com uma história sobre um trambiqueiro homossexual. O filme dirigido a quatro mãos por Glenn Ficarra e John Requa, que também assinam o roteiro, é uma adaptação do livro do jornalista norte-americano Steve McVicker sobre a vida real de Steven Russel, vivido por Carrey nesta adaptação cinematográfica, cuja carreira inclui passagem por festivais como Sundance e Cannes.

I Love You Phillip Morris tem até uma pegada legal. Mostra uma biba esperta cujo passatempo predileto é aplicar golpes em seguradoras, empresas, passar por advogado em tribunais e conseguir escapar de penitenciárias, tudo por amor aos rapazes que conhece e para os quais deseja dar uma vida de nababo. O primeiro amante de Steven é Jimmy (mais um papel secundário de Santoro em Hollywood). O segundo é um loirinho desprotegido, o tal Phillip, interpretado por Ewan McGregor com relativa segurança. Steven, antes de sair do armário, era um pacato policial, casado com uma mulher religiosa e com filhos, mas que após um acidente de trânsito decide soltar a franga prá valer. Para levar uma vida luxuosa ele não pestaneja em inventar histórias mirabolantes para conseguir ganhar dinheiro. Por conta dos golpes aplicados acaba na prisão, onde conhece Phillip, o grande amor de sua vida. Motivado pela paixão, ele consegue libertar ele e o rapaz e reinicia suas trambicagens, passando o resto do seu tempo entre os braços de Phillip e as idas e vindas aos estabelecimentos penais.

a classe média pode respirar aliviada. Ou seja, os gays (eles e não nós) são mesmo criaturas inofensivas e divertidas até quando não estão ao lado da lei

O filme é todo armado para conseguir a simpatia do espectador. É construído em cima de situações e surpresas que inevitavelmente podem provocar o riso. Usa recursos narrativos típicos das comédias contemporâneas e não compactua abertamente com princípios de um mundo politicamente correto, pondo nas mãos de Carrey a possibilidade dele executar toda a sorte de peripécias habituais vistas em seus filmes mais convencionais transpostas para o universo LGBT. Mantém ainda a agilidade narrativa encontrada no livro, mas paradoxalmente é justamente aí que a vaca vai pro brejo.

Os roteiristas até tentaram, mas infelizmente não conseguiram imprimir ao filme a sutileza dos personagens, todos excessivamente caricatos, e também não deixam pistas claras sobre como a mudança protagonizada por Steven que de pai e marido fiel se enreda nas teias do crime e torna-se um estelionatário. Mudança esta que não ocorreu por fruto de sua opção sexual e sim como resultado de uma complexa conjugação das habilidades de Steven e das particularidades do sistema econômico e judiciário norte-americano.

Por conta desta incapacidade de aprofundar as situações, o filme transcorre como uma sucessão de esquetes cômicos entremeados por “boquetes” sugeridos e mungangas de Carrey. O fato de a trama ter início num hospital como se Steven estivesse à beira da morte, relembrando os fatos marcantes de sua vida, é uma alternativa viável de articulação do seu desdobramento e do golpe mais ousado por ele perpetrado. Não descarto também que os autores do filme desejem, no fundo, passar uma imagem simpática do universo LGBT.

Contudo, quando as luzes são acesas, a sensação no ar é de que ao assistir I Love Phillip Morris mais uma vez a classe média pode respirar aliviada. Ou seja, os gays (eles e não nós) são mesmo criaturas inofensivas e divertidas até quando não estão ao lado da lei