Crítica – Livro: O Senhor Agora Vai Mudar de Corpo, de Raimundo Carrero

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Foto: Divulgação/ItaúCultural.
Foto: Divulgação/ItaúCultural.
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NO CORPO DO ESCRITOR
Raimundo Carrero usa imagens fortes e metáforas para tratar de sua experiência com o AVC

Por Paulo Floro

A literatura salvou Raimundo Carrero. No novo livro O Senhor Agora Vai Mudar de Corpo, lançado este mês pela Record, Carrero se transforma em personagem para retratar sua recuperação de um AVC sofrido em 2010. Como um romance confessional, ele coloca o leitor dentro de sua alma – ou melhor – de seu corpo, refazendo viagens ao seu passado ao mesmo tempo em que comenta a dureza de desvencilhar da doença.

O livro foi dividido em cenas, sempre começando pelo corpo, segundo Raimundo, a única verdade absoluta da vida. Ele usou uma frase de Clarice Lispector no prefácio: “O corpo é a única certeza que nos acompanha do nascimento até a morte”. No seu relato sobre a recuperação, ele se coloca em terceira pessoa, chamando a si apenas de O Escritor. A partir disso ele mescla suas experiências como paciente às memórias de sua vida bem como reflexões sobre sua formação intelectual.

E foi isso que salvou Carrero. Após tentar escrever mais de uma vez sobre sua experiência com o AVC ele realizou que não conseguiria escrever nada literal, realista e detalhista como aqueles romances de superação autobiográficos. A literatura em prosa, acredita o autor, “se realiza no campo das metáforas e das imagens, mesmo que trate de temas reais”.

O uso da terceira pessoa também livrou a obra de se transformar em um exercício solitário, um monólogo distanciado. Na pele do Escritor parece que vivemos àquelas experiências como se todos os momentos, dos constrangedores primeiros momentos no hospital, até as melhores lembranças como o nascimento de seus filhos, fossem possíveis de serem alcançadas. As imagens levam o leitor a diversos momentos importantes da carreira do autor, como seu início no jornalismo até sua estreia na literatura.

Mas as metáforas usadas por Carrero elevam a obra para além de uma proclamação da dor. “O que não gosto deste mundo é a proclamação da dor, como se faz em todos os lugares e por qualquer motivo”, diz no livro. E depois: “Odiaria ajuda, auxílio, colaboração. Não lhe seria maior o insulto do que enfrentar mãos estendidas para ampará-lo. Nunca, jamais”. As imagens usadas pelo escritor, muito fruto de sua experiência com o movimento Armorial, são ricas, poéticas, como quando comenta sobre as aranhas que tecem “o tecido mortal da noite perversa” ou suas reticências com Cristo e a Bíblia.

Ao transformar em reflexões existenciais sua experiência com a doença, Raimundo Carrero compartilhou com o leitor sua própria alma. “Vocês estão vivendo comigo, mas não em mim. Não compreendem o que está se passando”, diz ele a seus cuidadores em determinado momento. Agora não só sabemos, como vivenciamos de certa maneira.

O Senhor Agora Vai Mudar AG V5.inddO SENHOR AGORA VAI MUDAR DE CORPO
De Raimundo Carrero
[Record, 114 páginas, R$ 30 ]